quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

A CANTIGA É UMA ARMA

“Desfolhada”

A caminho dos 50 anos do 25 de Abril, continuamos a recordar um poema, uma canção e histórias associadas, que nos remetem para o ambiente cultural e político dos últimos anos da ditadura do Estado Novo e para a aurora da Liberdade e da Democracia.


Na edição 14 de “A Cantiga é uma Arma”, recuamos a 1969 e a uma canção que agitou a sociedade cinzenta e fechada de então, ajudando a abalar convenções, a inquietar mentalidades, a mudar pontos de vista.


Com letra de Ary dos Santos e música de Nuno Nazareth Fernandes, “Desfolhada” é uma canção interpretada por Simone de Oliveira, que, em 1969, venceu a VI edição do Grande Prémio TV da Canção, atual Festival RTP da Canção.

Representou Portugal no Festival Eurovisão desse ano, em Madrid, conhecendo grande sucesso, a ponto de se tornar num dos grandes temas de sempre da música portuguesa.

Apesar de não ter sido a primeira escolha dos autores para defender a "Desfolhada" no festival, sendo mesmo convidada em cima da hora, Simone de Oliveira é considerada a alma do êxito da canção, graças à força da sua interpretação e à frontalidade e coragem com que, naquela época, em direto e para todo o país, cantou, energicamente, que “quem faz um filho fá-lo por gosto”.

Numa sociedade cinzenta e fechada, em que a ditadura e os censores ditavam leis, o poema de Ary dos Santos e a atitude arejada de Simone fizeram estalar a polémica a nível nacional. E, indiscutivelmente, a “Desfolhada” tornou-se numa música que “abalou o País do respeitinho” e das aparências e acabou por ajudar a despertar espíritos, a inquietar mentalidades, a abalar convenções, a mudar pontos de vista. Tudo isto num período em que determinados setores da sociedade acreditavam que a ditadura teria direito à sua primavera, com Marcelo Caetano.

Mesmo assim, houve necessidade de fazer concessões… Em entrevista a Miguel Carvalho, para a revista “Visão”, Nuno Nazareth Fernandes reconhece que “a letra era forte, uma pedrada no charco”, e recorda que tiveram de mexer numa passagem: «Onde se escrevia “Oh minha terra / minha aventura/ casca de nós / desamparada” mudou-se para casca de…noz. “Casca de nós era o País, nós enquanto povo, desamparados”, explica o autor da música.»

Com uma coreografia cuidada, em que a própria cor dos vestidos de Simone e das duas coralistas é simbolicamente explorada no festival, a canção tornou-se um símbolo emblemático de um tempo novo.


No regresso de Madrid, do Festival Eurovisão, Simone de Oliveira foi recebida na estação de comboio de Santa Apolónia, em Lisboa, num ambiente de apoteose, com uma multidão a aclamá-la euforicamente e a cantar a “Desfolhada”:

Oh minha terra
minha aventura
casca de noz
desamparada.

Oh minha terra
minha lonjura
por mim perdida
por mim achada.

Vamos, então, ouvir – e cantar – “Desfolhada”, com Simone de Oliveira…

A Organização

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