terça-feira, 28 de janeiro de 2025

V CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE CAMÕES

O fogo que na branda cera ardia

O fogo que na branda cera ardia,

Vendo o rosto gentil que na alma vejo,

Se acendeu de outro fogo do desejo,

Por alcançar a luz que vence o dia. 

            Como de dois ardores se incendia,

            Da grande impaciência fez despejo,

            E, remetendo com furor sobejo,

            Vos foi beijar na parte onde se via.

Ditosa aquela flama, que se atreve

Apagar seus ardores e tormentos

Na vista do que o mundo tremer deve!

            Namoram-se, Senhora, os Elementos

            De vós, e queima o fogo aquela neve

            Que queima corações e pensamentos.

                                    Luís de Camões

Este soneto de Luís de Camões retrata o ardor do amor, comparando-o ao fogo que consome a cera.

O eu lírico expressa o desejo de “alcançar a luz que vence o dia”, num jogo semântico que explora “o fogo que na branda cera ardia” e a intensidade do “outro fogo do desejo”, que consome a sua alma.

Acontece que a inspiração para o poema resulta de um incidente do quotidiano. D. Guiomar de Blasfé, filha de D. Francisco Coutinho, o futuro 3.º Conde do Redondo, queimou os cabelos ao aproximar-se, descuidadamente, de uma vela ou, segundo uma outra versão, foi queimada no rosto por uma vela caída de um candelabro.

Camões dedicou ao acidente dois poemas célebres pelo seu tom humorístico, em que exalta a beleza da dama, “tão ardente e perigosa quanto a chama da vela”.

Para além do soneto, o outro poema é uma cantiga, em que o Poeta, face ao mote “Amor, que todos ofende, / teve, Senhora, por gosto, / que sentisse o vosso rosto / o que nas almas acende.”, escreveu a seguinte volta:

“Aquele rosto que traz

o mundo todo abrasado,

se foi da flama tocado,

foi porque sinta o que faz.

Bem sei que Amor se lhe rende;

Porém o seu prosuposto

Foi sentir o vosso rosto

O que nas almas acende.”

Não é difícil de imaginar o ambiente dos serões palacianos em que este tipo de poesia terá surgido. Nas palavras de Isabel Rio Novo, trata-se, de facto, “de poesias ligeiras ou de circunstância, que, tanto pelo estilo como pelas alusões que encerram, não seriam compreendidas fora desse meio ou não teriam interesse senão para os seus frequentadores.”

Poucos dias depois do aniversário do Poeta, que ocorreu no passado dia 23 de janeiro, celebramos o Camões da juventude. Camões a espalhar “Engenho e Arte” e humor pelos salões dos palácios de famílias importantes…

Fontes: Luís de Camões, “Obras Completas de Luís Vaz de Camões. II Volume – Lírica”, Lisboa, E-Primatur, 2019, pp. 170 e 99.

Isabel Rio Novo, “Fortuna, Caso, Tempo e Sorte – Biografia de Luís Vaz de Camões”, Lisboa, Contraponto, 2024, p. 101.

Justino Mendes de Almeida, “O Humor Camoniano: Aspectos psicológicos na poesia de Camões”, disponível em https://repositorio.ual.pt/server/api/core/bitstreams/aa2b098b-4501-477b-a54e-0df15b7c3570/content, acedido em 24.01.2025.

A Organização

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

V CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE CAMÕES


“O dia em que nasci moura e pereça”

O dia em que nasci moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar,
Não torne mais ao Mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o sol padeça.

A luz lhe falte, o céu se lhe escureça,
Mostre o Mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o Mundo já se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao Mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!

Luís de Camões, Lírica (fixação de texto de Hernâni Cidade), Lisboa, Círculo de Leitores, 1980, p. 244.

Neste soneto, o sujeito poético amaldiçoa o dia em que nasceu e deseja que jamais se repita; mas, se, porventura, tal suceder, faz votos de que fique marcado por acontecimentos catastróficos, de cariz apocalíptico, para que todos saibam que esse “dia deitou ao Mundo a vida / Mais desgraçada que jamais se viu!”.

Num registo autobiográfico, profundamente disfórico, sobressaem os sentimentos de desesperança total e até de revolta, face à desilusão, à frustração, à dor profunda do poeta, parafraseando, para o efeito, as lamentações do texto bíblico do Livro de Job.

Apesar de a autoria camoniana do soneto não reunir o consenso, apetece, imediatamente, estabelecer uma associação entre o Camões-sujeito e o Camões-objeto da sua poesia, trazendo à memória a vida turbulenta e sombria que a “fortuna” lhe ofereceu.

São as suas atribulações amorosas, os degredos em Ceuta e no Oriente, os ferimentos em combate e a perda do olho direito, os diversos cativeiros, os perigos dos mares e da guerra, a miséria sempre omnipresente, a falta de reconhecimento, o desalento, a doença e, mesmo no final da vida, o golpe existencial de Alcácer Quibir e o consequente domínio filipino, com a apagada e vil tristeza a abater-se sobre a nação e sobre ele próprio.

Mas este poema suscita outras questões no domínio da astronomia, a ponto de investigadores da área concluírem, partindo do soneto, que Camões terá nascido, precisamente, a 23 de janeiro de 1524.

Na primeira quadra, escreve o sujeito poético que o dia em que nasceu não deverá voltar mais ao mundo, mas, se isso acontecer, “eclipse nesse passo o Sol padeça”. Por outras palavras, que tal suceda, quando o sol regressar ao ponto inicial, depois de percorrer toda a eclíptica, e ele completar um ano de idade.

Esta pista levou investigadores da Universidade de Coimbra a aprofundarem uma ideia defendida, em 1940, por Mário Saa. Meteram mãos à obra e procuraram todos os eclipses visíveis em Portugal, em 1524 e 1525. Consultando os dados da agência espacial norte-americana NASA, a equipa apenas encontrou um nesse período, a 23 de janeiro de 1525. Reforçaram, então, a ideia de o poeta terá nascido um ano antes, ou seja, a 23 de janeiro de 1524, já lá vão 501 anos.

Sendo assim, na próxima quinta-feira, brindemos com Luís de Camões.

São os 501 anos deste génio do Engenho e Arte!

Fonte: Filipa Almeida Mendes e Lusa, “Um soneto e um eclipse solar indicam a data de nascimento de Camões”, in “Público”, 12 de janeiro de 2024. Disponível em https://www.publico.pt/2024/01/12/ciencia/noticia/soneto-eclipse-solar-indicam-data-nascimento-camoes-2076646, acedido em 15/01/2025.

A Organização

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

"À CONVERSA COM MÓNICA MOTA LOPES"

Pequenos gestos fazem grandes diferenças

A obra Pequenos Gestos, Grandes Diferenças, de Mónica Mota Lopes, esteve no centro de uma animada conversa que a autora manteve com os alunos dos 2.º, 3.º e 4.º anos do Agrupamento de Escolas de Ponte da Barca.

No âmbito da iniciativa “À conversa com…”, promovida pela Biblioteca Escolar, em articulação com o Departamento do 1.º Ciclo, a jornalista e escritora partilhou com os mais novos alguns dos desafios que os seis contos do livro colocam, inspirando-os a uma atitude positiva e facilitadora do bem-estar pessoal.

“Desde o bullying, passando pela capacidade de superar desafios e pelo enaltecimento das capacidades de cada um de nós”, até à autoestima e à persistência na concretização dos nossos sonhos e do nosso projeto de vida, a interação explorou todos estes temas, num registo sempre muito próximo e produtivo, com a escritora a responder às questões colocadas pelos participantes.

Num apelo permanente ao desenvolvimento pessoal e social, a conversa com Mónica Mota Lopes revelou-se um excelente exercício de cidadania, de promoção da autoestima e de valorização da diferença.

Recorde-se que, por ocasião do Natal, os alunos dos 2.º, 3.º e 4.º anos do Agrupamento de Escolas haviam sido presenteados pela Câmara Municipal de Ponte da Barca com um exemplar de Pequenos Gestos, Grandes Diferenças, pelo que grande parte dos participantes já havia lido a obra, situação que enriqueceu a interação com a autora.

Biblioteca Escolar

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

V CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE CAMÕES


Despedidas em Belém: “Por perdidos as gentes nos julgavam…”

[…] Em tão longo caminho e duvidoso

Por perdidos as gentes nos julgavam,

As mulheres cum choro piadoso,

Os homens com suspiros que arrancavam.

Mães, Esposas, Irmãs, que o temeroso

Amor mais desconfia, acrecentavam

A desesperação e frio medo

De já nos não tornar a ver tão cedo.

 

Qual vai dizendo: – «Ó filho, a quem eu tinha

Só pera refrigério e doce emparo

Desta cansada já velhice minha,

Que em choro acabará, penoso e amaro,

Porque me deixas, mísera e mesquinha?

Porque de mi te vás, o filho caro,

A fazer o funéreo encerramento

Onde sejas de pexes mantimento?»

 

Qual em cabelo: – «Ó doce e amado esposo,

Sem quem não quis Amor que viver possa,

Porque is aventurar ao mar iroso

Essa vida que é minha e não é vossa?

Como, por um caminho duvidoso,

Vos esquece a afeição tão doce nossa?

Nosso amor, nosso vão contentamento,

Quereis que com as velas leve o vento?»

 

[…] Nós outros, sem a vista alevantarmos

Nem a mãe, nem a esposa, neste estado,

Por nos não magoarmos, ou mudarmos

Do propósito firme começado,

Determinei de assi nos embarcarmos,

Sem o despedimento costumado,

Que, posto que é de amor usança boa,

A quem se aparta, ou fica, mais magoa.

Luís de Camões, “Os Lusíadas”, IV, 89-91; 93

Ainda a propósito dos 500 anos da morte de Vasco da Gama, que ocorreu no último dia 24 de dezembro, impõe-se uma breve visita à grandeza heroica do seu feito como capitão-mor da armada que, pela primeira vez, ligou a Europa à Índia.

Comecemos pela partida, a 8 de julho de 1497, um sábado. Uns cento e setenta homens, entre soldados e marinheiros, aparelharam “a alma pera a morte” (IV, 86), comungando e pedindo a proteção de Deus, e, depois, dirigem-se em procissão da capela de Nossa Senhora de Belém para os batéis, que os conduziriam às três caravelas.

“A gente da cidade” (IV, 88) enche o areal, num ambiente tenso e sombrio. São as despedidas de quem parte “pera buscar do mundo novas partes.” (IV, 85).

“Por perdidos as gentes nos julgavam” – diz Vasco da Gama. E, entre a dor mais atroz, surgem

“As mulheres cum choro piadoso,

Os homens com suspiros que arrancavam.

Mães, Esposas, Irmãs, que o temeroso

Amor mais desconfia, acrecentavam

A desesperação e frio medo

De já nos não tornar a ver tão cedo.”

Neste ambiente na Praia das Lágrimas, como lhe chamavam à época,  Vasco da Gama, para evitar males maiores, toma uma decisão:

“Determinei de assi nos embarcarmos,

Sem o despedimento costumado.”

Mas este é apenas o peso inicial. Com a viagem no alto-mar, surgiam os enjoos, a ansiedade e o pânico do desconhecido, novos climas e doenças assustadoras, fenómenos naturais tenebrosos, tempestades, “naufrágios, perdições de toda a sorte” (V, 44). E também a fome e a sede e os encontros e desencontros com os povos indígenas e os ataques e outros acidentes…

No canto V, Vasco da Gama resume ao rei de Melinde – e a cada um de nós – todos estes tormentos:

“Ora imagina agora quão coitados

Andaríamos todos, quão perdidos,

De fomes, de tormentas quebrantados,

Por climas e por mares não sabidos!” (V, 70)

A viagem da armada de Gama até Calecute constitui um marco histórico, com um notável impacto aos mais diversos níveis. Mas teve um preço muito elevado, nomeadamente, em termos humanos.

Num tom épico-lírico, Fernando Pessoa imortalizaria, em pleno século XX, a grandeza de toda esta gesta com o poema “Mar Português” (in “Mensagem”):

“Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

 

Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.”

Vale a pena ouvir – e cantar – este poema, acompanhando Mafalda Arnauth e os “Milladoiro”. O tema faz parte do álbum "A Quinta das Lágrimas" (2008).

A Organização

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

V CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE CAMÕES


 Mandas-me, ó Rei, que conte…

Prontos estavam todos escuitando

O que o sublime Gama contaria,

Quando, despois de um pouco estar cuidando,

Alevantando o rosto, assi dizia:

– «Mandas-me, ó Rei, que conte declarando

De minha gente a grão genealogia;

Não me mandas contar estranha história,

Mas mandas-me louvar dos meus a glória.

        Que outrem possa louvar esforço alheio,

        Cousa é que se costuma e se deseja;

        Mas louvar os meus próprios, arreceio

        Que louvor tão suspeito mal me esteja;

        E, pera dizer tudo, temo e creio

        Que qualquer longo tempo curto seja;

        Mas, pois o mandas, tudo se te deve;

        Irei contra o que devo, e serei breve.

Além disso, o que a tudo, enfim, me obriga

É não poder mentir no que disser,

Porque de feitos tais, por mais que diga,

Mais me há de ficar inda por dizer.

Mas, porque nisto a ordem leve e siga,

Segundo o que desejas de saber,

Primeiro tratarei da larga terra,

Despois direi da sanguinosa guerra. […]»

    Luís de Camões, Os Lusíadas, III, 3-5

É neste início do canto III que o “sublime Gama” assume o papel de narrador, contando – ou melhor, cantando – ao rei de Melinde a História de Portugal e da viagem, de que ele próprio era o “valeroso capitão”.

Neste porto seguro do Índico, Vasco da Gama trata primeiro “da larga terra”, em seguida, da “sanguinosa guerra” e, por fim, da viagem da sua armada, desde Belém até Melinde, onde se encontram, dando corpo aos cantos III, IV e V.

O herói de Os Lusíadas é “o peito ilustre Lusitano / a quem Neptuno e Marte obedeceram” (I, 3). Mas o acontecimento maior que serve de eixo a toda a narração é a viagem de Vasco da Gama (1469-1524), que, “por mares nunca de antes navegados” (I, 1), deu novos mundos ao mundo, ao chegar a Calecute, na Índia, a 20 de maio de 1498, na mais longa viagem oceânica até então realizada.

Não deixa de ser curioso que esta figura central da epopeia tenha morrido, precisamente, no ano em que Camões nasceu. Foi a 24 de dezembro de 1524 – fez no dia de Consoada 500 anos – que faleceu em Cochim, na Índia, onde desempenhava o cargo de vice-rei.


Umas quatro décadas e meia depois, os Gama e Camões voltam a cruzar-se, quando o poeta preparava a publicação de Os Lusíadas, obra que imortalizaria, entre outros, os feitos do “valeroso capitão”.

Procurando um mecenas para a impressão do livro, Isabel Rio Novo escreve que Camões, “segundo todas as probabilidades, foi primeiro bater às portas da família Gama. […] Mas os Gama não atenderam o seu pedido.” A este propósito, a autora recorda ainda que o “biógrafo inglês Richard Burton evocava uma anedota, segundo a qual, numa altura em que alguém citara Os Lusíadas como honrando o nome dos Gama, um descendente do descobridor tinha exclamado: ‘Temos os títulos e não queremos os elogios.’”

Enfim! Razão tinha o poeta para lamentar, no final do canto V, que “quem não sabe arte não na estima” (V, 97), criticando os seus contemporâneos, porque desprezavam as letras, a arte em geral.

Mais: os Portugueses são “tão ásperos”, “tão austeros, / tão rudos e de engenho tão remisso” (V, 98), que nem se preocupam minimamente com esta sua pobre condição.

Pois… Era assim, há 500 anos!

Bibliografia: Isabel Rio Novo, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte – Biografia de Luís Vaz de Camões, Lisboa, Contraponto, 2024, p. 460.

A Organização

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

NO DIA DE REIS

De olhos na Estrela no Oriente

Quando chegam a Jerusalém, os Magos perguntam onde está o rei dos Judeus que acabara de nascer. E acrescentam:

“Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo” (Mt 2, 2). 


Que estrela é esta?

Trata-se de um fenómeno astronómico para o qual há várias explicações. Para uns, terá sido um cometa. Para outros, a estrela terá resultado da conjunção de Saturno e de Júpiter. Para outros, deverá ter sido algo milagroso que fez refletir as pessoas familiarizadas com o estudo dos astros, como era o caso dos Magos. A maioria dos exegetas, porém, pensa que foi um meteoro extraordinário que guiou os Magos até Belém. 

Seja como for, a estrela tornou-se o símbolo do nascimento de Jesus. E, frequentemente, é representada com quatro pontas e uma cauda luminosa para significar as quatro direções da Terra. De todos os lados, virão adorar o Deus-Menino, luz de todos os povos e de todas as nações. 

Melchior, Gaspar e Baltasar

Importa assinalar que o título de reis, o número três, bem como os seus nomes próprios se devem a uma tradição que nada tem a ver com os Evangelhos.

Apesar de, até ao século VI, a palavra “rei”, na literatura cristã, ter um sentido religioso e não político, os Magos não eram reis, porque o Evangelho não os identifica como tal, nem Herodes os tratou com esse estatuto. O primeiro autor a chamar-lhes “reis” foi S. Cesário de Arles, no século VI, ao que tudo indica por influência do Salmo 72 que exalta a figura messiânica do rei ideal.

Quanto ao número, resultará mais de considerações religiosas e simbólicas, por causa dos três presentes oferecidos. O papa S. Leão, nos meados do século V, foi o primeiro a propor, formalmente, o número três.

Também os nomes são discutíveis, tanto mais que Melchior (rei da luz), Gaspar (aquele que vem ver) e Baltasar (Baal protege o rei), designações com que a Igreja latina os venera, apenas aparecem no princípio do século VIII. É desta altura um curioso texto de Beda, o Venerável, considerando-os representantes, respetivamente, da Europa, da Ásia e da África. Garante ainda o autor que Melchior, um velho de cabelos brancos e de barba comprida, ofereceu o ouro. Que Gaspar entregou o incenso. E que a mirra foi o presente de Baltasar, um mago de pele negra.

Ouro, incenso e mirra

Sábios da astrologia, os Magos terão vindo da Pérsia, da Arábia ou, mais provavelmente, da Babilónia, na Mesopotâmia. Eram conhecedores do messianismo hebraico, porventura na sequência da queda e da destruição de Jerusalém, em 587 a. C., às mãos do rei Nabucodonosor, e da partida do povo de Israel para o exílio na Babilónia.

Segundo a tradição judaica, o Messias tinha como signo a constelação dos Peixes e, na Caldeia, a opinião corrente defendia que a constelação era também o signo da Terra do Ocidente.

Trata-se de uma ideia corroborada por Tácito e Suetónio. Os dois historiadores romanos deixaram-nos o testemunho de que, no Oriente, havia, por esta altura, a expectativa de que a Judeia havia de ser palco de acontecimentos extraordinários.

Interessante é também o facto de Júpiter ser considerado por todos os povos como a estrela da fortuna e da realeza. Saturno, por sua vez, era visto, entre os Judeus, como o protetor de Israel e a astrologia babilónica reconhecia isso mesmo, que o planeta do anel era a estrela especial das vizinhas Síria e Palestina.

Não admira, por isso, que os astrólogos tenham reparado na conjunção tão notável de Júpiter e de Saturno (o protetor do povo de Israel) na constelação dos Peixes, signo da Terra do Ocidente e do Messias. Segundo a interpretação astrológica, era óbvio que estava iminente o aparecimento de um rei poderoso na Terra do Ocidente… 

Impensável naquelas paragens era alguém apresentar-se de mãos vazias na presença de alguém importante. Por isso, os Magos ofereceram-lhe ouro, incenso e mirra (planta usada para embalsamar os cadáveres), presentes que representam o reconhecimento, respetivamente, da realeza, da divindade e da humanidade de Jesus. 

Prof. Luís Arezes