quinta-feira, 31 de outubro de 2024

terça-feira, 29 de outubro de 2024

V Centenário do Nascimento de Camões

Alma minha gentil, que te partiste

Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida, descontente,
repousa lá no Céu eternamente,
e viva eu cá na terra sempre triste.   
 

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueças daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
alguma coisa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder-te,  

roga a Deus, que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver-te,
quão cedo de meus olhos te levou.

Luís de Camões, Rimas, org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; Obras de Luís de Camões, Porto, Lello & Irmão Editores, 1970, p. 9.

No manuscrito da “Década VIII”, atribuído a Diogo do Couto, lê-se: «Vindo de lá [da China] se foi perder na costa de Sião [Tailândia], onde se salvaram todos despidos e o Camões por dita escapou com as suas “Lusíadas”, como ele diz nelas, e ali se afogou ũa moça china muito fermosa com que vinha embarcado e muito obrigado, e em terra fez sonetos à sua morte em que entrou aquele que diz: “Alma minha gentil, que te partiste”…».

O poeta dirige o seu discurso à mulher amada, que, para sua tristeza, morreu jovem: “Alma minha gentil, que te partiste/ Tão cedo desta vida, descontente,”.

Ao longo do soneto, vai-lhe fazendo alguns pedidos, utilizando frases imperativas, tais como: “repousa lá no céu…”, “não te esqueças daquele amor ardente…” e “roga a Deus…”. Afirma também que está em sofrimento e aponta as razões desta tristeza, que se ligam, essencialmente, à ausência da amada, marcada pela distância entre o céu – local de morada dela: ”repousa lá no Céu” – e a terra, espaço de vida do poeta: “viva eu cá na terra”. Estas referências espaciais surgem associadas aos termos com valor deíctico “cá” e “lá”, que reforçam a relação de afastamento entre os dois amantes.

Assim, a solução para o sofrimento do sujeito poético seria a aproximação entre os dois e, por isso, ele pede-lhe que rogue a Deus para o levar rapidamente para junto dela: “Roga a Deus, que teus anos encurtou,/ Que tão cedo de cá me leve a ver-te,/ Quão cedo de meus olhos te levou.”

Aqui fica o convite para escutar o poema, interpretado por Simone de Oliveira, com música de Alfredo Marceneiro

A Organização

terça-feira, 22 de outubro de 2024

V Centenário do Nascimento de Camões


Endechas a Bárbara escrava

Aquela cativa

Que me tem cativo,

Porque nela vivo

Já não quer que viva.

Eu nunca vi rosa

Em suaves molhos,

Que pera meus olhos

Fosse mais fermosa.

 

Nem no campo flores,

Nem no céu estrelas

Me parecem belas

Como os meus amores.

Rosto singular,

Olhos sossegados,

Pretos e cansados,

Mas não de matar.

 

Uma graça viva,

Que neles lhe mora,

Pera ser senhora

De quem é cativa.

Pretos os cabelos,

Onde o povo vão

Perde opinião

Que os louros são belos.

 

Pretidão de Amor,

Tão doce a figura,

Que a neve lhe jura

Que trocara a cor.

Leda mansidão,

Que o siso acompanha;

Bem parece estranha,

Mas bárbara não.

 

Presença serena

Que a tormenta amansa;

Nela, enfim, descansa

Toda a minha pena.

Esta é a cativa

Que me tem cativo;

E, pois nela vivo,

É força que viva.

                Luís de Camões (fonte)

“Endechas a Bárbara escrava”, ou cativa, é mais um conhecido poema de Camões, notável pela forma como, em pleno seculo XVI, glorifica uma imagem da mulher distinta da do ideal clássico, vigente na época.

Escrita na “medida velha”, com versos de cinco sílabas (a chamada redondinha menor), a composição está em conformidade com a herança da poesia palaciana.

Num registo leve, de enorme suavidade, esta é uma das poucas poesias de Camões em que se fala de um amor correspondido, assim como da felicidade proporcionada pela “presença serena", pela "doce figura” idealizada e perfeita daquela mulher de outra raça, por quem se apaixonara.

Mas “Endechas a Bárbara cativa" é, sobretudo, uma obra-prima genial, pela ousadia e originalidade com que o artista rompe com o modelo clássico e convencional, que exaltava a beleza loura, a mulher branca, de faces rosadas, tal como a Laura de Petrarca, a quem todos imitavam.

Aqui, temos um canto de louvor à beleza, isso sim, de uma mulher negra e escrava, o que para a época constitui algo de profundamente inovador e até surpreendente.

Para além disso, faz um jogo de inversão de papéis: uma escrava, socialmente falando, transforma-se em poderosa “senhora / de quem é cativa”, isto é, do sujeito poético agora preso a ela, afetivamente.

“Endechas a Bárbara escrava” já tem quase cinco séculos de vida. E continua um verdadeiro apelo inspirador à Humanidade e ao encontro de culturas. Um hino intemporal ao único sentimento capaz de aproximar povos, de unir corações: o amor!

Aqui fica o convite para escutar o poema, interpretado por Zeca Afonso, em 1968, no disco “Cantares do Andarilho”... 

“Endechas a Bárbara escrava” remete ainda para uma abordagem intertextual com “Lágrima de preta”, um poema do século XX, da autoria de António Gedeão.

terça-feira, 15 de outubro de 2024

V Centenário do Nascimento de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões, Lírica - Terceiro volume das Obras Completas (fixação do texto de Hernâni Cidade), Lisboa, Círculo de Leitores, 1980, p. 188.

Neste soneto, Camões aborda um tema muito caro à poesia, explorado há séculos e séculos por inúmeros filósofos e artistas.

Seguindo os modelos de Petrarca (1304-1374), o poeta usa o pensamento lógico para expor e tentar definir um sentimento profundo e complexo – o amor.

Ao longo das duas quadras e do primeiro terceto, desenvolve o seu raciocínio através da apresentação de ideias opostas, enumerando uma série de imagens metafóricas, de paradoxais contraposições. Com este recurso à chamada antítese, tenta uma explicação para um conceito tão enigmático, para um sentimento tão ambíguo, como o amor.

O raciocínio lógico do poeta termina com a conclusão, no último terceto, apresentada em forma de interrogação, o que nos remete para o plano da reflexão:

Mas como causar pode seu favor

Nos corações humanos amizade,

Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

O poeta explora, assim, com perfeição, a dualidade e ambiguidade do amor. Dir-se-ia que toca no âmago de um dos sentimentos mais complexos, que na sua vivência provoca, ao mesmo tempo, tanto prazer e tanto sofrimento.

Com este soneto, Luís de Camões aborda um tema universal, oferecendo-nos um registo intemporal, com figuras e definições de rara beleza.

Vale a pena (re)ler o poema. E ouvi-lo, dito e cantado…

Eis o soneto dito por Eunice Muñoz e pela atriz brasileira Sílvia Pfeifer.

Outras interpretações do poema, agora cantado por Camané & Mário Laginha e pelos Pólo Norte e Miguel Gameiro.

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

METODOLOGIAS DE ESTUDO


A importância de discernir um método de estudo adequado, reforçando o compromisso quanto às tarefas escolares e o amadurecimento de uma atitude positiva, autónoma e responsável perante a vida, esteve no centro de uma sessão que a Biblioteca Escolar dinamizou com as cinco turmas do 9º ano de escolaridade.

Organizadas em articulação com as respetivas docentes de Português, as sessões exploraram a temática da metodologia de estudo e a urgência de “aprender a aprender”, suscitando nos alunos a apropriação de técnicas de estudo autónomo que favoreçam a consolidação de competências e de hábitos de trabalho.

Foi uma oportunidade para analisar/ refletir sobre uma série de situações a evitar e sobre opções a tomar quanto antes, no sentido de tornar o estudo mais rentável.

A importância de uma alimentação adequada, de descanso e de momentos de lazer, a necessidade de criar rotinas de estudo diário, com um horário fixo, e ainda a análise dos verbos de comando foram outros aspetos explorados, assim como um conjunto de recomendações práticas para tornar o trabalho mais produtivo.

No final, foi distribuída a cada aluno uma brochura intitulada “Metodologia de Estudo”, da autoria do professor Luís Arezes, que apresenta seis etapas para um método de estudo e elenca um conjunto de orientações para o trabalho individual.

Na página web do Agrupamento e no blogue da Biblioteca Escolar continua disponível o tutorial utilizado na dinamização da atividade (aceda aqui), um documento de apoio aos estudantes e respetivos encarregados de educação, que se vem juntar a outros recursos já anteriormente disponibilizados em linha.

O trabalho revelou-se muito produtivo, despertando na maioria dos alunos grande interesse e um sentido de compromisso, tendo em vista a alteração de comportamentos e de atitudes e uma maior responsabilização quanto às tarefas escolares.

Biblioteca Escolar

terça-feira, 8 de outubro de 2024

V Centenário do Nascimento de Camões


Ao desconcerto do Mundo

Os bons vi sempre passar

No Mundo graves tormentos;

E, pera mais me espantar,

Os maus vi sempre nadar

Em mar de contentamentos.

Cuidando alcançar assim

O bem tão mal ordenado,

Fui mau, mas fui castigado.

Assim que, só pera mim,

Anda o Mundo concertado.

                              Luís de Camões

Esta é uma esparsa famosa, uma composição poética pertencente à influência tradicional, onde Camões reflete sobre o desconcerto do Mundo, ilustrando a sua abordagem com a sua experiência vivida.

O sujeito poético analisa a sociedade e assinala a sua perceção da injustiça no Mundo, já que os maus são premiados e os bons são castigados.

Verificando que não compensava ser “bom”, confessa que decidiu mudar o seu comportamento, tornando-se “mau”, na esperança de, assim, obter os benefícios que observava nos outros e conseguir uma vida alegre e feliz. Sucede que foi castigado, o que significa que só para ele o Mundo é justo e está “concertado”.

É esta situação que lhe causa espanto, perplexidade, indignação, desencanto, pessimismo, angústia, tal o desconcerto e a injustiça que, na sua perspetiva, existem.

De facto, a sociedade é de tal modo injusta, que premeia os maus comportamentos e castiga todos os que se orientam pelos verdadeiros princípios e valores, não obtendo ele quaisquer privilégios ao tornar-se como os outros, pois, só para ele, o Mundo é justo.

Nas palavras de José António Saraiva e Óscar Lopes, o problema central do poeta reside na “não correspondência entre os anseios, os valores, as razões e aquilo a que chamaríamos hoje o processo objetivo”, isto é, a realidade da vida social e material (1985, p. 337).

Em síntese, o poema é um balanço dos tempos de grande incerteza e contradição em que Camões vive: a par da confusão irracional do destino, das injustiças, do desconcerto, da arbitrariedade, da mentira dos “maus” – que, de acordo com a perceção do poeta, são premiados –, permanecia o desejo de justiça e de concerto do Mundo.

Esta reflexão afigura-se, porém, intemporal…

500 anos depois, em 2024, qual é a perceção reinante da vida e da sociedade?

O Mundo anda “concertado”?

E a Justiça é um presente para todos?          

Eis o poema dito por Eunice Muñoz...

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

BARQUENSES ILUSTRES

Quem foi Cypriano Joseph da Rocha?

Cypriano Joseph da Rocha (1685-1746) é um ilustre barquense que, entre 1728 e 1742, desenvolveu uma obra notável por terras de Minas Gerais, no Brasil.

Sepultado na capela de Nossa Senhora do Pilar, que existe junto à sua Casa de Quintela, em Vila Nova de Muía, Cypriano deixou-nos um legado invulgar, na medida em que conquistou um lugar cimeiro na história das comunidades que ajudou a construir no Brasil, onde fundou povoações, abraçou povos, aproximou culturas.

É enorme o roteiro das cidades históricas a que esteve associado e onde se mantém vivo, ocupando um lugar de eleição “no imaginário coletivo dos Sul-Mineiros, moradores desse extenso território do Sul do Estado de Minas Gerais, que emerge do Arraial de São Cypriano por ele fundado” e a que hoje correspondem, por sucessivos desmembramentos, cerca de 200 localidades, entre cidades e distritos.

Cypriano é ainda o autor das célebres “Cartas” que são consideradas a certidão de batismo do Sul de Minas.

Em nome de Cypriano Joseph da Rocha, Ponte da Barca e os Sul-Mineiros estão convidados – três séculos volvidos – para um novo abraço transatlântico de (re)encontro..., de partilha.

Conheça aqui um pouco da vida e da obra deste ilustre barquense, consultando um recurso produzido pela Biblioteca Escolar, que passa a estar disponível em "Autores/ Figuras Locais"…

Biblioteca Escolar 

terça-feira, 1 de outubro de 2024

V Centenário do Nascimento de Camões

“(…) Cantando espalharei por toda a parte,

Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

        Cessem do sábio Grego e do Troiano

     As navegações grandes que fizeram;

     Cale-se de Alexandre e de Trajano

     A fama das vitórias que tiveram;

     Que eu canto o peito ilustre Lusitano,

     A quem Neptuno e Marte obedeceram. (…)”.           

               Luís de Camões, “Os Lusíadas”, I, 2-3

 

Luís de Camões (1524-1580) soube como poucos fixar poeticamente os dramas mais profundos da existência humana e cantou, de uma forma genial, a história e a grandeza do “peito ilustre lusitano”.

Ele é o símbolo maior da nossa identidade nacional, de tal modo que é no dia da sua morte que celebramos quem somos, é a 10 de junho que comemoramos o Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas.

Na passagem do V centenário do seu nascimento, propomo-nos celebrar o Poeta, valorizando o seu legado artístico e humanista. 

Por isso, até ao próximo dia 10 de junho, sempre à terça, vamos partilhar um texto/ excerto de Camões, convidando a comunidade para, a partir de múltiplas linhas temáticas, refletir e (re)descobrir o profundo impacto da sua obra, num diálogo intemporal com o presente.

“(…) Cantando espalharei por toda a parte,

Se a tanto me ajudar o engenho e arte.”