terça-feira, 15 de outubro de 2024

V Centenário do Nascimento de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões, Lírica - Terceiro volume das Obras Completas (fixação do texto de Hernâni Cidade), Lisboa, Círculo de Leitores, 1980, p. 188.

Neste soneto, Camões aborda um tema muito caro à poesia, explorado há séculos e séculos por inúmeros filósofos e artistas.

Seguindo os modelos de Petrarca (1304-1374), o poeta usa o pensamento lógico para expor e tentar definir um sentimento profundo e complexo – o amor.

Ao longo das duas quadras e do primeiro terceto, desenvolve o seu raciocínio através da apresentação de ideias opostas, enumerando uma série de imagens metafóricas, de paradoxais contraposições. Com este recurso à chamada antítese, tenta uma explicação para um conceito tão enigmático, para um sentimento tão ambíguo, como o amor.

O raciocínio lógico do poeta termina com a conclusão, no último terceto, apresentada em forma de interrogação, o que nos remete para o plano da reflexão:

Mas como causar pode seu favor

Nos corações humanos amizade,

Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

O poeta explora, assim, com perfeição, a dualidade e ambiguidade do amor. Dir-se-ia que toca no âmago de um dos sentimentos mais complexos, que na sua vivência provoca, ao mesmo tempo, tanto prazer e tanto sofrimento.

Com este soneto, Luís de Camões aborda um tema universal, oferecendo-nos um registo intemporal, com figuras e definições de rara beleza.

Vale a pena (re)ler o poema. E ouvi-lo, dito e cantado…

Eis o soneto dito por Eunice Muñoz e pela atriz brasileira Sílvia Pfeifer.

Outras interpretações do poema, agora cantado por Camané & Mário Laginha e pelos Pólo Norte e Miguel Gameiro.

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