“Esta é a ditosa pátria minha amada”
“Eis aqui, quase cume da cabeça
De Europa toda, o Reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa
E onde Febo repousa no Oceano.
Este quis o Céu justo que floreça
Nas armas contra o torpe Mauritano,
Deitando-o de si fora; e lá na ardente
África estar quieto o não consente.
Esta é a ditosa pátria minha amada,
À qual se o Céu me dá que eu sem perigo
Torne, com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta luz ali comigo.
Esta foi Lusitânia, derivada
De Luso ou Lisa, que de Baco antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E nela antão os íncolas primeiros.”
Luís de Camões, “Os Lusíadas”, III, 20-21.
Depois de traições, armadilhas, tentativas de
destruição e outros perigos vividos na Ilha de Moçambique, em Quíloa e em
Mombaça, a armada de Vasco da Gama encontra, finalmente, um porto seguro em
Melinde, onde os Portugueses são calorosamente recebidos.
O rei local acolhe-os em festa e pede a Vasco da
Gama que lhe fale de Portugal e da nossa História. É isso mesmo o que ele faz,
tratando primeiro “da larga terra” e, em seguida, da “sanguinosa guerra”.
Após a descrição da Europa, chega à localização
geográfica de Portugal:
“Eis aqui, quase cume da cabeça
De Europa toda, o Reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa
E onde Febo repousa no Oceano.”
E continua com o verso emblemático, que abre a estância
21 do canto terceiro: “Esta é a ditosa pátria minha amada (…).”
O termo “pátria” tem origem etimológica no latim (“pater, -tris”) e remete não só para a
ideia de “pai”, mas, sobretudo, para o conceito social e respeitoso de
antepassado ou antepassados, a quem devemos um património, que importa honrar.
São eles os heróis, de uma família e de um povo… E,
neste contexto, ocorre, de imediato, um outro verso famoso do canto oitavo, em
que Paulo da Gama apresenta
ao Catual da cidade indiana de Calecute, num tom solene, figuras grandes da história
portuguesa e sintetiza a admiração e o respeito de um povo pela figura de Dom
Nun’Álvares Pereira, referindo “Ditosa pátria que tal filho teve!”.
Foi ele, de facto, quem, em plena crise de
1383-1385, “quando a independência da pátria estava presa por um fio ténue”,
tomou “sobre si a tarefa hercúlea de tudo assumir sobre seus ombros – a imagem
remete necessariamente para Hércules que, traído por Atlas quando dele se
aproximou para saber do paradeiro das Hespérides, aceitou tomar a seus ombros o
globo terráqueo” (Aires A. Nascimento).
A par desta visão épica de Portugal, outras há com
forte pendor negativo e de profundo desencanto.
Jorge de Sena, por exemplo, no poema "A
Portugal" (1961), não hesita em recusar a pátria, que não é a mátria de
Eduardo Lourenço, mas antes a madrasta:
“Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de ter nascido dela.”
E
a revolta do poeta termina em apoteose:
“(…) és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço, mas ser's minha, não.”
Para Jorge de Sena, Portugal não é a mátria
lusitana exaltada n’“Os Lusíadas”,
mas, antes, a madrasta que provoca desencanto.
384 anos depois da Restauração ou Aclamação da
Independência, a 1 de dezembro de 1640, Portugal continua um desafio à
cidadania de todos e de cada um de nós. Até porque permanece lapidar o verso
final do poema “Infante” (“Mensagem”, 1934),
de Fernando Pessoa: “Senhor, falta cumprir-se Portugal!”.
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