terça-feira, 17 de dezembro de 2024

V CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE CAMÕES

“Dos Céus à terra desce a mor beleza”

Dos Céus à terra desce a mor beleza,

Une-se à carne nossa e fá-la nobre;

E, sendo a humanidade dantes pobre,

Hoje subida fica à mor alteza.

 

Busca o Senhor mais rico a mor pobreza

Que, como ao mundo o seu amor descobre,

De palhas vis o corpo tenro cobre,

E por elas o mesmo Céu despreza.

 

Como Deus em pobreza à terra desce?

O que é mais pobre tanto lhe contenta

Que só rica a pobreza lhe parece.

 

Pobreza este Presépio representa.

Mas tanto, por ser pobre, já merece

Que quanto é pobre mais, mais lhe contenta.

Luís Vaz de Camões, “Lírica Completa II. Sonetos”, prefácio e notas de Maria de Lurdes Saraiva, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1980, pp. 286-287.

A poucos dias da Festa do Natal, partilhamos este belo soneto, “Dos Céus à terra desce a mor beleza”, apesar de a sua autoria camoniana não ser consensual.

Diante do presépio, ou seja, do curral ou da manjedoura onde, segundo o “Evangelho de Lucas”, Maria deu à luz, “porque não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,7), o sujeito poético reflete sobre o acontecimento natalício, defendendo “que Deus desce à terra em pobreza e, ao humanar-se, torna nobre toda a Humanidade.”

Por outras palavras, Deus faz-se homem para que o homem recupere horizontes de grandeza divina, a ponto de poder chamar-se filho de Deus…

Esta ideia é também sublinhada na primeira estrofe de um outro soneto, igualmente de autoria camoniana duvidosa:

“Desce do Céu imenso, Deus benino,

Para encarnar na Virgem soberana.

‘Porque desce divino em cousa humana?’

‘Para subir o humano a ser Divino.’”

A tónica dominante do poema é, no entanto, de âmbito social e tem a ver com o desafio da pobreza, ou melhor, do despojamento.

“O Senhor mais rico” procura voluntariamente a pobreza e troca o Céu pelas “palhas vis” com que se cobre:

“Como Deus em pobreza à terra desce?

O que é mais pobre tanto lhe contenta

Que só rica a pobreza lhe parece.”


Na opinião de especialistas da lírica de Luís de Camões, esta será uma poesia da última fase literária do artista, marcada já “pelo fervor da Contra-Reforma“ e “muito distante da fase petrarquista”.

Em plena quadra festiva, Camões continua a embarcar Engenho e Arte…

Feliz Natal!


A Organização


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