terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

V CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE CAMÕES


“(…) um bicho da terra tão pequeno?”

(…) Oh! Grandes e gravíssimos perigos,

Oh! Caminho da vida nunca certo,

Que, aonde a gente põe sua esperança,

Tenha a vida tão pouca segurança!

 

No mar, tanta tormenta e tanto dano,

Tantas vezes a morte apercebida;

Na terra, tanta guerra, tanto engano,

Tanta necessidade aborrecida!

Onde pode acolher-se um fraco humano,

Onde terá segura a curta vida,

Que não se arme e se indigne o Céu sereno

Contra um bicho da terra tão pequeno?

Luís de Camões, Os Lusíadas, I, 105-106

A narração n’Os Lusíadas principia com a armada de Vasco da Gama a meio da viagem (in medias res), já a chegar à Ilha de Moçambique, onde faz escala para se abastecer.

A partir daqui, assiste-se a um conjunto de atribulações, com ciladas, falsidades e traições que quase deitam tudo a perder, não fora a intervenção de Vénus.

Na Ilha de Moçambique, o chefe local, quando verifica, inspirado por Baco, que os Portugueses são cristãos, resolve destruí-los. E Gama, depois de ter sido atacado, traiçoeiramente, é enganado e recebe a bordo um piloto, com ordens para levar a armada a cair numa cilada.

Ao aproximarem-se da perigosa zona de Quíloa, Vénus afasta-os da costa por meio de “ventos contrários”, anulando, assim, a traição. O piloto mouro ainda faz outras tentativas, mas Vénus está atenta e impede que isso aconteça. A viagem continua para Norte e chegam à cidade de Mombaça, cujo rei fora avisado por Baco para os exterminar.

Face a tantas traições e a tantos perigos – ciladas, hostilidade disfarçada que ilude e alimenta esperanças –, o poeta não resiste a uma reflexão.

Termina o primeiro canto com uma consideração sobre a imprevisibilidade e a insegurança da vida e a fragilidade da condição do ser humano, “um bicho da terra tão pequeno”…, exposto a todos os perigos e incertezas e vítima indefesa do “Céu sereno” (I, 106).

Os perigos espreitam o ser humano (o herói), tão pequeno diante das forças da natureza, do poder da guerra e dos traiçoeiros enganos dos inimigos. Estamos no início da epopeia. Ver-se-á, no último canto, o décimo, até onde a ousadia, a coragem e o desejo de ir sempre mais além podem levar o “bicho da terra tão pequeno”…

Ilustração de Lima de Freitas, em Luís de Camões, Lírica,
Lisboa, Círculo de Leitores, 1980, p. 467.

Curiosamente, Camões repete este verso emblemático na canção “Junto de um seco, fero e estéril monte”, em que o sujeito poético reflete sobre a sua própria condição:

(…) Somente o Céu severo,

As Estrelas e o Fado sempre fero,

Com meu perpétuo dano se recreiam,

Mostrando-se potentes e indignados

Contra um corpo terreno,

Bicho da terra vil e tão pequeno. (…)

Quase cinco séculos passados, Camões continua intemporal, vivo e inspirador na análise da condição humana, na sua insegurança, fragilidade e contingência.

No século XVI e nos dias de hoje, Camões embarca Engenho e Arte!

A Organização

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