Ah! minha Dinamene! Assim
deixaste
Ah!
minha Dinamene! Assim deixaste
Quem
não deixara nunca de querer-te!
Ah!
Ninfa minha, já não posso ver-te,
Tão
asinha esta vida desprezaste!
Como
já pera sempre te apartaste
De
quem tão longe estava de perder-te?
Puderam
estas ondas defender-te
Que
não visses quem tanto magoaste?
Nem
falar-te somente a dura Morte
Me
deixou, que tão cedo o negro manto
Em
teus olhos deitado consentiste!
Oh
mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que
pena sentirei que valha tanto,
Que
inda tenha por pouco viver triste?
Luís de Camões, Lírica (fixação do texto de Hernâni Cidade),
Lisboa, Círculo de
Leitores, 1980, p. 230.
Este
soneto sobejamente conhecido expressa a profunda dor do sujeito poético pela perda
de Dinamene, a sua amada, que morreu prematura e inesperadamente, a ponto de
nem ter sido possível uma despedida: “Nem falar-te somente a dura Morte / Me
deixou”.
Perante
a separação definitiva, questiona o destino, o mar e a morte, que o privaram até
mesmo de uma despedida, e realça que a saudade e o sofrimento causados por essa
perda são tão intensos, que nenhuma tristeza parece suficiente para expressar a
sua desolação, questionando-se se valerá a pena uma vida miserável, sem a sua
amada.
Quem
é Dinamene, aqui evocada pelo poeta?
São
várias as interpretações que têm sido apresentadas “quanto à identidade deste
nome, inclusivamente a de que corresponderia a uma das ninfas do mar, a que se
referem vários escritores da Antiguidade”. Mas uma forte tradição biográfica de
Camões, ainda que de contornos um pouco lendários, identifica-a como “uma jovem
chinesa que teria perecido num naufrágio, no rio Mecom”.
No
regresso de Macau a Goa, com escala em Malaca, Camões sofreu, de facto, um
naufrágio, provavelmente perto do delta do rio Mecom, e perdeu quase tudo.
“Como
escreveram os biógrafos antigos, Camões conseguiu salvar-se numa ‘tábua’, que
tanto pode ter sido um bote como um pedaço de madeira convertido em jangada
improvisada. Severim de Faria acrescentou que o Poeta tinha escapado a nado,
rasgando as água com uma mão e segurando o manuscrito de Os Lusíadas na
outra” (Isabel Rio Novo).
E
assim nasceu no imaginário nacional a figura heroica do Poeta, lutando para
salvar uma obra que vale por uma literatura. Mas, neste “naufrágio triste e
miserando”, como lhe chama na estância 128 do canto X, perdeu tudo o resto.
Perdeu os bens que conseguira amealhar em Macau, onde tinha exercido as funções
de Provedor dos Defuntos; perdeu o espólio dos defuntos à sua guarda; e perdeu
a sua querida Dinamene, por quem chora neste soneto e em vários outros poemas…
Chegado,
finalmente, a Goa, por volta de 1565 ou 1566, acabaria por ser acusado e
condenado ao cárcere. Escreve Isabel Rio Novo que tudo indica que “não
acreditaram que o naufrágio fosse a razão pela qual Camões não entregava os
bens dos defuntos e por isso o prenderam”.
O
Poeta ficou indignado com a injustiça. No meio de tantas agruras, só lhe resta a
sua obra poética. E o desejo de a publicar.
A
partir de agora, só pensa em regressar à pátria…
Fontes:
Porto Editora – Dinamene na Infopédia [em linha]. Porto:
Porto Editora. [consult. 2025-02-07 09:16:47]. Disponível em https://www.infopedia.pt/$dinamene
Isabel
Rio Novo, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte – Biografia de Luís Vaz de Camões,
Lisboa, Contraponto, 2024, p. 387.
A Organização
Sem comentários:
Enviar um comentário