Assinalou-se, ontem, o Dia Internacional da Mulher. Uma jornada para celebrar direitos e conquistas, mas, sobretudo, para lembrar o muito que ainda há a fazer para se alcançar a plena igualdade de oportunidades e de tratamento entre homens e mulheres.
A propósito da presença e da valorização da
Mulher na vida de uma Comunidade, impõe-se sublinhar a figura daquela que é
considerada a “mater familias” de Ponte da Barca, nem mais nem menos do que a
lendária e simbólica Maria Lopes da Costa.
Rua Maria Lopes da Costa (crédito: Pedro Cerqueira) |
Quem é Maria Lopes da Costa?
Maria Lopes da Costa é, de facto, o expoente
máximo da afirmação de Ponte da Barca, na aurora de Quinhentos. A relevância
desta matriarca é tal que a tradição recordá-la-á como a pessoa que mais povoou
a vila. Diz-se que viveu até aos 110 anos e que, de dois matrimónios, teve uma
descendência de 120 pessoas, entre filhos, netos e bisnetos, de que contava 80
todos os dias, por viverem junto dela.
Para
que a sua grandeza ainda seja maior, reza a narrativa lendária que a sua casa
foi a primeira de sobrado. E que nela vivia a sua filha Isabel Gonçalves da
Costa, quando El-rei Dom Manuel, peregrino de Santiago da Galiza, nela pousou, no
início do século XVI.
Até
há umas três décadas, havia, na fachada de uma casa situada na rua com o seu
nome, junto ao Jardim dos Poetas, duas pequenas mísulas, em granito, uma
ligeiramente maior do que a outra. Dizia o povo que as figuras esculpidas
representavam Dom Manuel e a sua mulher. E que tinha sido aí, nessa casa, que
os monarcas pernoitaram...
Cresceu,
assim, a ideia de que a Maria Lopes
da Costa é que pertence o galardão de fundadora e povoadora de Ponte da Barca.
Para a difusão desta narrativa fantasiosa muito contribuíram,
desde o início do séc. XVIII, autores como António Carvalho da Costa (“Corografia
Portugueza e Descripçam
Topografica do Famoso Reyno de Portugal”, 1706), Vilhena Barbosa (“Archivo Pithoresco”, 1865), Pinho Leal (“Portugal Antigo e
Moderno”, 1876), José Augusto Vieira (“O Minho Pitoresco, 1886”) e o Conde d’Aurora
(“Roteiro da Ribeira-Lima, 1929”).
A versão da História
A versão histórica, contudo, não confirma esta
versão. Suportado
em documentos fidedignos, Avelino de Jesus da Costa (“Subsídios para a
História da Terra da Nóbrega e do Concelho de Ponte da Barca, 1998”), prestigiado
medievista e professor catedrático da Universidade de Coimbra, garante que o local onde se ergue a vila já era
habitado, pelo menos, desde finais do século XII, e que, ao tempo do reinado de
Dom Manuel (1495-1521), a freguesia há muito que existia.
Quanto à população, afirmar que foi Maria Lopes
da Costa quem povoou de Ponte da Barca não passará de um exagero. Basta referir
que, em 1527, a localidade já era a sexta maior na área do atual distrito de
Viana do Castelo, conforme o atesta o “Numeramento” da população de Entre Douro
e Minho que Dom João III mandou realizar e que, curiosamente, começou nesta
vila, no dia 27 de agosto desse ano. A urbe contava 100 fogos a que
corresponderiam cerca de 500 habitantes, fora clérigos, abades e fidalgos. Mais
populosas do que Ponte da Barca só Viana da Foz do Lima, Ponte de Lima,
Caminha, Valença e Monção!
De qualquer forma, merece todo o nosso aplauso e a nossa
atenção esta mulher grada e ilustre. Na entrada para a época moderna e para o
esplendoroso século de Quinhentos, ela é, de facto, uma figura incontornável da
velha Terra da Nóbrega e do concelho de Ponte da Barca. Ela e a sua família
simbolizam a maturidade e um futuro auspicioso.
Assim reza a lenda! E que importa que seja lenda? Como diz
Fernando Pessoa (“Mensagem”, 1934), “o mito é o nada que é tudo”! Então, a
lenda nos basta. Mesmo que não tenha sido, a lenda nos basta, e nos cria, e nos
fecunda como Comunidade.
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