terça-feira, 11 de março de 2025

V CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE CAMÕES

Publicação de Os Lusíadas

As armas e os barões assinalados

Que, da ocidental praia lusitana,

Por mares nunca de antes navegados

Passaram ainda além da Taprobana,

E em perigos e guerras esforçados

Mais do que prometia a força humana,

E entre gente remota edificaram

Novo Reino, que tanto sublimaram;

 

E também as memórias gloriosas

Daqueles reis que foram dilatando

A Fé, o Império, e as terras viciosas

De África e de Ásia andaram devastando;

E aqueles que por obras valerosas

Se vão da lei da Morte libertando:

Cantando espalharei por toda parte,

Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

 

Cessem do sábio grego e do troiano

As navegações grandes que fizeram;

Cale-se de Alexandro e de Trajano

A fama das vitórias que tiveram;

Que eu canto o peito ilustre lusitano,

A quem Neptuno e Marte obedeceram.

Cesse tudo o que a Musa antiga canta,

Que outro valor mais alto se alevanta.

        Luís de Camões, Os Lusíadas, I, 1-3

Terá sido no dia 12 de março do ano de 1572, quarta-feira, que da oficina de António Gonçalves saíram, “em edição modesta, os primeiros exemplares impressos do livro chamado Os Lusíadas, de Luís de Camões.”

Capa da 1.ª edição d'Os Lusíadas (1572).

“A obra harmonizava elementos da epopeia clássica com a evocação da expedição de Vasco da Gama à Índia e as próprias memórias de viagem do autor, cheias de trabalhos e perigos; combinava frescos históricos e factos científicos com recursos poéticos e mitologia; juntava o panfleto político aos apelos cruzadísticos; aliava ao saber enciclopédico a excelência de estilo. E todos os heroísmos do passado eram trazidos ao presente para se projetarem no futuro”.

A edição de 1572 publicou uns 150 exemplares de que sobram ainda uma meia centena, o que ilustra bem o cuidado que, ao longo dos séculos, o livro inspirou.

Camões chamou-lhe Os Lusíadas, título erudito que foi buscar a duas obras do humanista André de Resende escritas em latim, “mas até o próprio André de Resende, ao que parece, tinha colhido a palavra lusíadas em obras anteriores”.

Com esta publicação, concretizava-se, finalmente, o anseio coletivo que se arrastava há várias décadas, no sentido da composição de um poema épico, conferindo aos feitos nacionais recentes um estatuto universal e intemporal.

António Ferreira “fora dos últimos a reclamar a necessidade de pôr em verso os feitos gloriosos. Incitara Pero Andrade Caminha, Diogo Bernardes, Diogo de Teive, D. António de Vasconcelos… Não consta que tivesse incitado Luís de Camões”, mas a verdade é que foi este quem concretizou tal obra.

Para a sua publicação foi necessário obter as licenças exigidas, como o alvará régio e o parecer favorável da Inquisição, e também arranjar um mecenas que custeasse os cerca de 40 mil réis da impressão.

D. Manuel de Portugal, da família do Conde do Vimioso, patrocinou a edição, mas desejou permanecer na sombra, de tal modo que a epopeia foi dada à estampa sem uma ode dedicada ao protetor. Tudo isto porque ele “não podia comprometer-se excessivamente, nem à sua família, com um poema que, apesar de todos os méritos e excelências, questionava a nobreza, os membros do clero, o sistema jurídico, o próprio monarca…”.

Quanto ao filtro da Inquisição, frei Bartolomeu Ferreira foi o dominicano que examinou os dez cantos d’Os Lusíadas. E deu um parecer favorável:

“[…] Não achei neles cousa alguma escandalosa, nem contrária à fé e bons costumes, somente me pareceu que era necessário advertir os leitores que o autor, pera encarecer a dificuldade da navegação e entrada dos portugueses na Índia, usa de uma ficção dos deuses e dos gentios. […] Todavia, como isto é poesia e fingimento, e o autor, como poeta, não pretenda mais do que ornar o estilo poético, não tivemos  por inconveniente ir esta fábula dos deuses na obra, conhecendo-a por tal. E ficando sempre salva a verdade de nossa santa fé, que todos os deuses dos gentios são demónios”.

Assim sendo, conclui, o livro é “digno de se imprimir” e o seu “autor mostra nele muito engenho e muita erudição nas ciências humanas”.

A epopeia terá, então, sido publicada a 12 de março de 1572, completam-se amanhã 453 anos.

Retrato de Camões por Fernão Gomes, em cópia de Luís de Resende.
O original perdeu-se, mas foi pintado ainda em vida do Poeta (cerca de 1577).
É considerado o mais autêntico retrato do nosso épico.

Com Isabel Rio Novo, podemos imaginar esse dia e a emoção do autor. “Em 1572, Camões tinha 47 ou 48 anos. Não era um velho, apesar de a idade ter outro peso naqueles tempos. Mas era um homem envelhecido, doente, amargurado, a quem o futuro já fugia. No entanto, nessa manhã de março (cheia de sol, claro que sim) talvez tenha encarado a vida que lhe restava com algum otimismo”.

Nos 453 anos da publicação d’Os Lusíadas, celebremos Camões. Cantemos o Poeta, que continua a espalhar Engenho e Arte! 

Fonte: Isabel Rio Novo, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte – Biografia de Luís Vaz de Camões, Lisboa, Contraponto, 2024, pp. 483, 459, 458, 467-468, 474, 478 e 481.

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