“Dos Céus à terra desce a mor beleza”
Dos Céus à terra desce a mor beleza,
Une-se à carne nossa e fá-la nobre;
E, sendo a humanidade dantes pobre,
Hoje subida fica à mor alteza.
Busca o Senhor mais rico a mor pobreza
Que, como ao mundo o seu amor descobre,
De palhas vis o corpo tenro cobre,
E por elas o mesmo Céu despreza.
Como Deus em pobreza à terra desce?
O que é mais pobre tanto lhe contenta
Que só rica a pobreza lhe parece.
Pobreza este Presépio representa.
Mas tanto, por ser pobre, já merece
Que quanto é pobre mais, mais lhe contenta.
Luís Vaz de Camões, “Lírica Completa II. Sonetos”, prefácio e notas de Maria de Lurdes Saraiva, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1980, pp. 286-287.
A poucos dias da Festa do Natal, partilhamos este
belo soneto, “Dos Céus à terra desce a mor beleza”, apesar de a sua autoria camoniana
não ser consensual.
Diante do presépio, ou seja, do curral ou da
manjedoura onde, segundo o “Evangelho de Lucas”, Maria deu à luz, “porque não
havia lugar para eles na hospedaria” (Lc
2,7), o sujeito poético reflete sobre o acontecimento natalício, defendendo
“que Deus desce à terra em pobreza e, ao humanar-se, torna nobre toda a
Humanidade.”
Por outras palavras, Deus faz-se homem para que o
homem recupere horizontes de grandeza divina, a ponto de poder chamar-se filho
de Deus…
Esta ideia é também sublinhada na primeira estrofe
de um outro soneto, igualmente de autoria camoniana duvidosa:
“Desce do Céu imenso, Deus benino,
Para encarnar na Virgem soberana.
‘Porque desce divino em cousa humana?’
‘Para subir o humano a ser Divino.’”
A tónica dominante do poema é, no entanto, de
âmbito social e tem a ver com o desafio da pobreza, ou melhor, do despojamento.
“O Senhor mais rico” procura voluntariamente a
pobreza e troca o Céu pelas “palhas vis” com que se cobre:
“Como Deus em pobreza à terra desce?
O que é mais pobre tanto lhe contenta
Que só rica a pobreza lhe parece.”
Na opinião de especialistas da lírica de Luís de
Camões, esta será uma poesia da última fase literária do artista, marcada já
“pelo fervor da Contra-Reforma“ e “muito distante da fase petrarquista”.
Em plena quadra festiva, Camões continua a embarcar
Engenho e Arte…
Feliz Natal!
A Organização