“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Luís de Camões, Lírica, fixação de texto de Hernâni Cidade, Lisboa, Círculo de Leitores, 1980, p. 164.
Neste soneto, o sujeito poético reflete sobre a
mudança, um tópico frequente na Renascença, evocando a máxima clássica “tempus
fugit” – “o tempo voa”.
Porventura influenciado por um dos grandes
filósofos gregos, Heráclito, que defendia que tudo é movimento e está em
constante evolução, o eu lírico assinala, ao longo do poema, várias transformações,
seja no mundo, seja nas pessoas e nele próprio, nos sentimentos, vontades e
interesses:
"(…) mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades."
“No entanto, se as mudanças na Natureza (no seu
processo de renovação) assumem um sentido positivo, o mesmo não acontece com as
alterações de pendor negativo na vida do sujeito lírico.” Daí que demonstre, no
final do soneto, “o seu mais sincero espanto por já não se conseguir reconhecer
no que vai mudando, uma vez que até a própria mudança está a modificar-se.”
Face ao carácter inexorável da passagem do Tempo e
da efemeridade da vida, “tirania” a que ninguém escapa, resta a memória, uma
memória triste, pessimista e amarga de saudade do passado.
“Desta forma, podemos dizer que a tónica do soneto
se prende com demonstrar a/o instabilidade/ desconcerto do mundo, ou seja,
esclarecer que, enquanto as mudanças da natureza assumem uma tendência
previsível (por exemplo, as estações do ano), as mudanças vividas pelas
pessoas, além de, muitas vezes, não serem antecipáveis, estão invariavelmente
associadas à passagem do tempo” e ao seu carácter imprevisível.
O sujeito poético vive, assim, um estado emocional
de conflito, de desagregação, de profunda tristeza e mágoa, provocado,
precisamente, “pela ideia de que o universo é dominado pelos paradoxos e pela
mudança, que espoletam uma perplexidade e um labirinto interior (sem rumo).”
“Pessimista e atónito para com a sua realidade –
que não compreende –, sente-se completamente ludibriado pelo destino e pela
fatalidade (fatum). (…) Ou seja, a
mudança mais surpreendente é a de que já não se muda como era costume, isto é,
verifica a mudança da própria mudança.” (Tiago
Ferreira, “’Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades’, de Luís de Camões”, in https://obarrete.com/2020/06/26/mudam-se-as-vontades-luis-de-camoes/, acedido em 15/11/2024).
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” é o
título do primeiro álbum
de originais de José Mário Branco, editado em 1971,
em França, durante os anos de exílio do cantautor.
Vamos ouvir a canção “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, à qual foi apenas acrescentado o refrão “E se todo o mundo é
composto de mudança/ troquemos-lhe as voltas, que inda o dia é uma criança.”
A Organização