quinta-feira, 9 de março de 2023

A MULHER na toponímia de Ponte da Barca

Assinalou-se, ontem, o Dia Internacional da Mulher. Uma jornada para celebrar direitos e conquistas, mas, sobretudo, para lembrar o muito que ainda há a fazer para se alcançar a plena igualdade de oportunidades e de tratamento entre homens e mulheres.

A propósito da presença e da valorização da Mulher na vida de uma Comunidade, impõe-se sublinhar a figura daquela que é considerada a “mater familias” de Ponte da Barca, nem mais nem menos do que a lendária e simbólica Maria Lopes da Costa.

Rua Maria Lopes da Costa (crédito: Pedro Cerqueira)
A sua importância é de tal ordem no imaginário barquense que é praticamente a única mulher a figurar na toponímia da vila, dando nome à artéria no centro histórico, onde terá sido a sua residência.  

Quem é Maria Lopes da Costa?

Maria Lopes da Costa é, de facto, o expoente máximo da afirmação de Ponte da Barca, na aurora de Quinhentos. A relevância desta matriarca é tal que a tradição recordá-la-á como a pessoa que mais povoou a vila. Diz-se que viveu até aos 110 anos e que, de dois matrimónios, teve uma descendência de 120 pessoas, entre filhos, netos e bisnetos, de que contava 80 todos os dias, por viverem junto dela.

Para que a sua grandeza ainda seja maior, reza a narrativa lendária que a sua casa foi a primeira de sobrado. E que nela vivia a sua filha Isabel Gonçalves da Costa, quando El-rei Dom Manuel, peregrino de Santiago da Galiza, nela pousou, no início do século XVI.

Até há umas três décadas, havia, na fachada de uma casa situada na rua com o seu nome, junto ao Jardim dos Poetas, duas pequenas mísulas, em granito, uma ligeiramente maior do que a outra. Dizia o povo que as figuras esculpidas representavam Dom Manuel e a sua mulher. E que tinha sido aí, nessa casa, que os monarcas pernoitaram...

Cresceu, assim, a ideia de que a Maria Lopes da Costa é que pertence o galardão de fundadora e povoadora de Ponte da Barca. Para a difusão desta narrativa fantasiosa muito contribuíram, desde o início do séc. XVIII, autores como António Carvalho da Costa (“Corografia Portugueza e Descripçam Topografica do Famoso Reyno de Portugal”, 1706), Vilhena Barbosa (“Archivo Pithoresco”, 1865), Pinho Leal (“Portugal Antigo e Moderno”, 1876), José Augusto Vieira (“O Minho Pitoresco, 1886”) e o Conde d’Aurora (“Roteiro da Ribeira-Lima, 1929”).

A versão da História

A versão histórica, contudo, não confirma esta versão. Suportado em documentos fidedignos, Avelino de Jesus da Costa (“Subsídios para a História da Terra da Nóbrega e do Concelho de Ponte da Barca, 1998”), prestigiado medievista e professor catedrático da Universidade de Coimbra, garante que o local onde se ergue a vila já era habitado, pelo menos, desde finais do século XII, e que, ao tempo do reinado de Dom Manuel (1495-1521), a freguesia há muito que existia.

Quanto à população, afirmar que foi Maria Lopes da Costa quem povoou de Ponte da Barca não passará de um exagero. Basta referir que, em 1527, a localidade já era a sexta maior na área do atual distrito de Viana do Castelo, conforme o atesta o “Numeramento” da população de Entre Douro e Minho que Dom João III mandou realizar e que, curiosamente, começou nesta vila, no dia 27 de agosto desse ano. A urbe contava 100 fogos a que corresponderiam cerca de 500 habitantes, fora clérigos, abades e fidalgos. Mais populosas do que Ponte da Barca só Viana da Foz do Lima, Ponte de Lima, Caminha, Valença e Monção!

De qualquer forma, merece todo o nosso aplauso e a nossa atenção esta mulher grada e ilustre. Na entrada para a época moderna e para o esplendoroso século de Quinhentos, ela é, de facto, uma figura incontornável da velha Terra da Nóbrega e do concelho de Ponte da Barca. Ela e a sua família simbolizam a maturidade e um futuro auspicioso.

Assim reza a lenda! E que importa que seja lenda? Como diz Fernando Pessoa (“Mensagem”, 1934), “o mito é o nada que é tudo”! Então, a lenda nos basta. Mesmo que não tenha sido, a lenda nos basta, e nos cria, e nos fecunda como Comunidade.

Luís Arezes

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