“Desfolhada”
A caminho dos 50 anos do 25 de Abril, continuamos a
recordar um poema, uma canção e histórias associadas, que nos remetem para o
ambiente cultural e político dos últimos anos da ditadura do Estado Novo e para
a aurora da Liberdade e da Democracia.
Na edição 14 de “A Cantiga é uma Arma”, recuamos a
1969 e a uma canção que agitou a sociedade cinzenta e
fechada de então, ajudando a abalar convenções, a inquietar mentalidades, a
mudar pontos de vista.
Com
letra de Ary dos Santos e música de Nuno Nazareth Fernandes, “Desfolhada” é uma
canção interpretada por Simone de Oliveira, que, em 1969, venceu a VI edição do
Grande Prémio TV da Canção, atual Festival RTP da Canção.
Representou
Portugal no Festival Eurovisão desse ano, em Madrid, conhecendo grande sucesso,
a ponto de se tornar num dos grandes temas de sempre da música portuguesa.
Apesar
de não ter sido a primeira escolha dos autores para defender a
"Desfolhada" no festival, sendo mesmo convidada em cima da hora,
Simone de Oliveira é considerada a alma do êxito da canção, graças à força da
sua interpretação e à frontalidade e coragem com que, naquela época, em direto e
para todo o país, cantou, energicamente, que “quem faz um filho fá-lo por gosto”.
Numa
sociedade cinzenta e fechada, em que a ditadura e os censores ditavam leis, o
poema de Ary dos Santos e a atitude arejada de Simone fizeram estalar a
polémica a nível nacional. E, indiscutivelmente, a “Desfolhada” tornou-se numa
música que “abalou o País do respeitinho” e das aparências e acabou por ajudar a
despertar espíritos, a inquietar mentalidades, a abalar convenções, a mudar
pontos de vista. Tudo isto num período em que determinados setores da sociedade
acreditavam que a ditadura teria direito à sua primavera, com Marcelo Caetano.
Mesmo
assim, houve necessidade de fazer concessões… Em entrevista a Miguel Carvalho,
para a revista “Visão”, Nuno Nazareth Fernandes reconhece que “a letra era
forte, uma pedrada no charco”, e recorda que tiveram de mexer numa passagem: «Onde
se escrevia “Oh minha terra / minha aventura/ casca de nós / desamparada”
mudou-se para casca de…noz. “Casca de nós era o País, nós enquanto povo,
desamparados”, explica o autor da música.»
Com
uma coreografia cuidada, em que a própria cor dos vestidos de Simone e das duas
coralistas é simbolicamente explorada no festival, a canção tornou-se um
símbolo emblemático de um tempo novo.
No
regresso de Madrid, do Festival Eurovisão, Simone de Oliveira foi recebida na
estação de comboio de Santa Apolónia, em Lisboa, num ambiente de apoteose, com
uma multidão a aclamá-la euforicamente e a cantar a “Desfolhada”:
Oh minha terra
minha aventura
casca de noz
desamparada.
Oh minha terra
minha lonjura
por mim perdida
por mim achada.
Vamos,
então, ouvir – e cantar – “Desfolhada”, com Simone de Oliveira…
A Organização
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