terça-feira, 7 de janeiro de 2025

V CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE CAMÕES


 Mandas-me, ó Rei, que conte…

Prontos estavam todos escuitando

O que o sublime Gama contaria,

Quando, despois de um pouco estar cuidando,

Alevantando o rosto, assi dizia:

– «Mandas-me, ó Rei, que conte declarando

De minha gente a grão genealogia;

Não me mandas contar estranha história,

Mas mandas-me louvar dos meus a glória.

        Que outrem possa louvar esforço alheio,

        Cousa é que se costuma e se deseja;

        Mas louvar os meus próprios, arreceio

        Que louvor tão suspeito mal me esteja;

        E, pera dizer tudo, temo e creio

        Que qualquer longo tempo curto seja;

        Mas, pois o mandas, tudo se te deve;

        Irei contra o que devo, e serei breve.

Além disso, o que a tudo, enfim, me obriga

É não poder mentir no que disser,

Porque de feitos tais, por mais que diga,

Mais me há de ficar inda por dizer.

Mas, porque nisto a ordem leve e siga,

Segundo o que desejas de saber,

Primeiro tratarei da larga terra,

Despois direi da sanguinosa guerra. […]»

    Luís de Camões, Os Lusíadas, III, 3-5

É neste início do canto III que o “sublime Gama” assume o papel de narrador, contando – ou melhor, cantando – ao rei de Melinde a História de Portugal e da viagem, de que ele próprio era o “valeroso capitão”.

Neste porto seguro do Índico, Vasco da Gama trata primeiro “da larga terra”, em seguida, da “sanguinosa guerra” e, por fim, da viagem da sua armada, desde Belém até Melinde, onde se encontram, dando corpo aos cantos III, IV e V.

O herói de Os Lusíadas é “o peito ilustre Lusitano / a quem Neptuno e Marte obedeceram” (I, 3). Mas o acontecimento maior que serve de eixo a toda a narração é a viagem de Vasco da Gama (1469-1524), que, “por mares nunca de antes navegados” (I, 1), deu novos mundos ao mundo, ao chegar a Calecute, na Índia, a 20 de maio de 1498, na mais longa viagem oceânica até então realizada.

Não deixa de ser curioso que esta figura central da epopeia tenha morrido, precisamente, no ano em que Camões nasceu. Foi a 24 de dezembro de 1524 – fez no dia de Consoada 500 anos – que faleceu em Cochim, na Índia, onde desempenhava o cargo de vice-rei.


Umas quatro décadas e meia depois, os Gama e Camões voltam a cruzar-se, quando o poeta preparava a publicação de Os Lusíadas, obra que imortalizaria, entre outros, os feitos do “valeroso capitão”.

Procurando um mecenas para a impressão do livro, Isabel Rio Novo escreve que Camões, “segundo todas as probabilidades, foi primeiro bater às portas da família Gama. […] Mas os Gama não atenderam o seu pedido.” A este propósito, a autora recorda ainda que o “biógrafo inglês Richard Burton evocava uma anedota, segundo a qual, numa altura em que alguém citara Os Lusíadas como honrando o nome dos Gama, um descendente do descobridor tinha exclamado: ‘Temos os títulos e não queremos os elogios.’”

Enfim! Razão tinha o poeta para lamentar, no final do canto V, que “quem não sabe arte não na estima” (V, 97), criticando os seus contemporâneos, porque desprezavam as letras, a arte em geral.

Mais: os Portugueses são “tão ásperos”, “tão austeros, / tão rudos e de engenho tão remisso” (V, 98), que nem se preocupam minimamente com esta sua pobre condição.

Pois… Era assim, há 500 anos!

Bibliografia: Isabel Rio Novo, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte – Biografia de Luís Vaz de Camões, Lisboa, Contraponto, 2024, p. 460.

A Organização

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

NO DIA DE REIS

De olhos na Estrela no Oriente

Quando chegam a Jerusalém, os Magos perguntam onde está o rei dos Judeus que acabara de nascer. E acrescentam:

“Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo” (Mt 2, 2). 


Que estrela é esta?

Trata-se de um fenómeno astronómico para o qual há várias explicações. Para uns, terá sido um cometa. Para outros, a estrela terá resultado da conjunção de Saturno e de Júpiter. Para outros, deverá ter sido algo milagroso que fez refletir as pessoas familiarizadas com o estudo dos astros, como era o caso dos Magos. A maioria dos exegetas, porém, pensa que foi um meteoro extraordinário que guiou os Magos até Belém. 

Seja como for, a estrela tornou-se o símbolo do nascimento de Jesus. E, frequentemente, é representada com quatro pontas e uma cauda luminosa para significar as quatro direções da Terra. De todos os lados, virão adorar o Deus-Menino, luz de todos os povos e de todas as nações. 

Melchior, Gaspar e Baltasar

Importa assinalar que o título de reis, o número três, bem como os seus nomes próprios se devem a uma tradição que nada tem a ver com os Evangelhos.

Apesar de, até ao século VI, a palavra “rei”, na literatura cristã, ter um sentido religioso e não político, os Magos não eram reis, porque o Evangelho não os identifica como tal, nem Herodes os tratou com esse estatuto. O primeiro autor a chamar-lhes “reis” foi S. Cesário de Arles, no século VI, ao que tudo indica por influência do Salmo 72 que exalta a figura messiânica do rei ideal.

Quanto ao número, resultará mais de considerações religiosas e simbólicas, por causa dos três presentes oferecidos. O papa S. Leão, nos meados do século V, foi o primeiro a propor, formalmente, o número três.

Também os nomes são discutíveis, tanto mais que Melchior (rei da luz), Gaspar (aquele que vem ver) e Baltasar (Baal protege o rei), designações com que a Igreja latina os venera, apenas aparecem no princípio do século VIII. É desta altura um curioso texto de Beda, o Venerável, considerando-os representantes, respetivamente, da Europa, da Ásia e da África. Garante ainda o autor que Melchior, um velho de cabelos brancos e de barba comprida, ofereceu o ouro. Que Gaspar entregou o incenso. E que a mirra foi o presente de Baltasar, um mago de pele negra.

Ouro, incenso e mirra

Sábios da astrologia, os Magos terão vindo da Pérsia, da Arábia ou, mais provavelmente, da Babilónia, na Mesopotâmia. Eram conhecedores do messianismo hebraico, porventura na sequência da queda e da destruição de Jerusalém, em 587 a. C., às mãos do rei Nabucodonosor, e da partida do povo de Israel para o exílio na Babilónia.

Segundo a tradição judaica, o Messias tinha como signo a constelação dos Peixes e, na Caldeia, a opinião corrente defendia que a constelação era também o signo da Terra do Ocidente.

Trata-se de uma ideia corroborada por Tácito e Suetónio. Os dois historiadores romanos deixaram-nos o testemunho de que, no Oriente, havia, por esta altura, a expectativa de que a Judeia havia de ser palco de acontecimentos extraordinários.

Interessante é também o facto de Júpiter ser considerado por todos os povos como a estrela da fortuna e da realeza. Saturno, por sua vez, era visto, entre os Judeus, como o protetor de Israel e a astrologia babilónica reconhecia isso mesmo, que o planeta do anel era a estrela especial das vizinhas Síria e Palestina.

Não admira, por isso, que os astrólogos tenham reparado na conjunção tão notável de Júpiter e de Saturno (o protetor do povo de Israel) na constelação dos Peixes, signo da Terra do Ocidente e do Messias. Segundo a interpretação astrológica, era óbvio que estava iminente o aparecimento de um rei poderoso na Terra do Ocidente… 

Impensável naquelas paragens era alguém apresentar-se de mãos vazias na presença de alguém importante. Por isso, os Magos ofereceram-lhe ouro, incenso e mirra (planta usada para embalsamar os cadáveres), presentes que representam o reconhecimento, respetivamente, da realeza, da divindade e da humanidade de Jesus. 

Prof. Luís Arezes