Erros meus, má fortuna, amor
ardente
Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que para mim bastava amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas, que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa [a] que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.
De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!
Luís Vaz de Camões, Lírica Completa II, prefácio e notas de
Maria de Lurdes Saraiva, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1980, p.
164.
Num registo
autobiográfico, o sujeito poético faz o balanço do seu percurso de vida,
assinalando as causas da sua perdição: os erros que cometeu, o destino infeliz,
que o perseguiu, e o amor intenso, que o desgraçou.
Segundo
confessa, “Errei todo o discurso de meus anos”, assim justificando que a
“Fortuna” tenha sido tão pouco generosa consigo. Mas, para que não restem
dúvidas, garante que bastaria o amor, por si só, para a sua perdição. Uma
perdição tão atroz e irremediável, que o impede de ter qualquer tipo de
esperança, no presente…: “A não querer já nunca ser contente”.
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Cópia
de Luís de Resende do retrato de Camões pintado por Fernão Gomes, ainda em vida do Poeta. O original perdeu-se. |
Numa
primeira leitura, apetece afirmar que estamos perante o tópico clássico do amor
como origem da desventura pessoal. Acontece que este testemunho intenso sobre o
amor, de que o sujeito poético só viu “breves enganos”, convoca-nos para uma
abordagem mais alargada. E aqui encontramos uma dimensão nova, profundamente
pessoal e sofrida.
De
facto, “o conjunto de poemas de Camões que abordam o tema da morte física ou
psicológica do amor é demasiado vasto para que os possamos considerar meros
exercícios de estilo, imitação convencional de modelos consagrados ou
encomendas de outrem. Petrarca e os poemas petrarquistas – continua Isabel Rio
Novo – influenciaram-no, seguramente; todavia, enquanto a poesia do italiano
transmite uma impressão de serenidade, a de Camões está perpassada de
agitações, impulsos, impaciências, contradições, que não advêm do sentimento do
amor em si, mas antes das circunstâncias que o rodeiam: desigualdades sociais,
afastamento, ausência, saudade, ciúme, remorso”.
Quer
dizer, neste soneto sobejamente conhecido parece estar todo o drama emocional,
existencial do Poeta, resultante do amor impossível – porque desigual… – que o
perseguiu ao longo da vida e que esteve na origem de mil e uma desventuras,
desde a prisão ao desterro.
Este
tom fortemente disfórico, de profundo extremismo no balanço da existência,
remete-nos para um outro soneto, igualmente sombrio, em que fala do início da
sua vida:
(…)
O dia em que nasci moura e pereça, (…)
(…)
Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao Mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!
Camões
partiria no dia 10 de junho de 1580, já lá vão 445 anos. Morreu amargurado pela
doença e pela miséria.
Morreu…,
mas deixou-nos uma obra notável que vale uma literatura e que o afirmou como o
símbolo maior da identidade nacional e da união do mundo da lusofonia.
É no
dia da sua partida que celebramos quem somos. É a 10 de junho que comemoramos o
Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas.
Um bom
dia para celebrar Camões, na voz de Amália Rodrigues! “Erros meus”, um tema do
álbum “Fado Português”…
Fonte: Isabel Rio Novo, Fortuna,
Caso, Tempo e Sorte – Biografia de Luís Vaz de Camões, Lisboa, Contraponto,
2024, pp. 133 e 586-587.
A Organização
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