Diogo Bernardes e Camões:
dois percursos
quase nunca em sintonia!
Diogo Bernardes terá falecido a 30 de agosto de
1596, faz hoje, precisamente, 429 anos.
A propósito desta efeméride e ainda no contexto
do V centenário do nascimento de Camões, propomos uma visita ao percurso destes
dois vultos da nossa Literatura…
Bernardes e Camões são dois poetas
contemporâneos. Afirmaram-se com grande prestígio no seu tempo, mas as relações
entre ambos não foram muito amigáveis.
Na década de 40 do século XVI, os ambientes
palacianos da capital proporcionaram-lhes o primeiro contacto. Camões estava de
regresso a Lisboa, depois de uns anos em Coimbra, onde consolidara a sua
formação humanista. Bernardes, esse acabava de chegar da sua Terra da Nóbrega,
à procura da fortuna. Nestes ambientes, exercitaram a poesia, ora fazendo elogios
às senhoras, ora dando largas a improvisos jocosos sobre as questões da
atualidade. Nestes jogos, todos procuravam vencer, exibindo o seu virtuosismo e
graciosidade.
Sabe-se que Camões era repentista e mordaz,
dotado de uma notável capacidade de improviso, pelo que não será difícil
imaginar o aplauso que reunia junto das damas e dos cortesãos. “Isso
trar-lhe-ia mais inimizades do que admiradores entre os seus pares”, escreve
Isabel Rio Novo. E, entre eles, estava – certamente – o poeta barquense.
O destino, porém, depressa acabará por
separá-los. Camões envolve-se em problemas, é desterrado, vai parar à prisão e a
Ceuta, onde perde o olho direito. De novo em Lisboa, volta a ser preso e, em
1553, parte para o Oriente. Um ano depois, seria a vez de o infortúnio bater à
porta de Bernardes, com a morte do jovem príncipe D. João, seu mecenas.
Camões regressaria à capital do império quase
duas décadas depois, em 1570. E, em 1572, conseguiu a publicação d’”Os Lusíadas”,
obra dedicada ao jovem rei D. Sebastião, a quem incita a liderar uma campanha
no Norte de África.
Curiosamente, dois anos depois, saiu uma outra
obra de pendor épico, da autoria de Jerónimo Corte-Real. Acontece que, ao contrário d’“Os Lusíadas”,
que não apresenta qualquer poema elogioso de outros homens de Letras, o trabalho
de Corte-Real vem acompanhado de várias composições da elite literária da época
– Bernardes incluído –, que, em uníssono, louvam a excelência da obra.
O poeta barquense vivia, então, um período auspicioso.
Em 1576, acompanha, como secretário, a embaixada de Pedro de Alcáçova Carneiro,
enviada por D. Sebastião ao rei de Espanha. E, no ano seguinte, é despachado
“moço de toalha” do monarca português que, depois, o escolhe para, como poeta
oficial, cantar a sonhada vitória na Cruzada a Marrocos.
Camões sente-se ofendido. Também ele lutara por
ser o cantor da jornada de África. Mas é preterido, ou porque D. Sebastião não
lhe desse importância, ou “porque o achasse velho e debilitado, ou porque
preferisse o poeta que também era seu servidor de toalha desde 1577, ou por
todas estas razões” (Isabel Rio Novo).
A expedição parte de Lisboa, em finais de junho
de 1578. A desorganização e a arrogância são de tal ordem, que só podiam dar mau
resultado… E deram mesmo!
A aventura redundou na tragédia de Alcácer-Quibir,
a 04 de agosto de 1578.
Mal recebeu a notícia, Camões rasgou os versos
que tinha começado, quando a armada partira do Tejo. E, menos de dois anos
depois, em 1580, perdeu a vida, tal como Portugal perdeu a independência. Bernardes,
esse nem chegou a iniciar o poema épico. Feito prisioneiro, só conseguiu a
liberdade dois ou três anos depois.
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Camões por Fernão Gomes, em cópia de Luís de Resende. |
Com a morte do autor d’”Os Lusíadas”, alguns dos
seus contemporâneos começaram, entretanto, a mudar de opinião. É o que acontece
também com o poeta barquense. Quando, em 1595, foi editada a lírica camoniana,
com o título de “Rimas”, a obra incluiu um soneto seu, intitulado “Em louvor de
Luís de Camões”, que “honrou a pátria em tudo”. E Bernardes termina com a
glorificação póstuma do nosso épico:
“Mas se lhe foi Fortuna escassa em vida
Não lhe pode tirar despois da morte
Um rico emparo de sua fama e glória”.
Diogo Bernardes morreu a 30 de agosto do ano
seguinte, faz hoje, precisamente, 429 anos. Pediu e foi sepultado junto de
Camões, no Mosteiro de Sant’Ana.
Depois de tantos desencontros, Camões e Bernardes
repousam, finalmente, em eterna sintonia!
Prof. Luís Arezes