Nos 484
anos de FREI AGOSTINHO DA CRUZ
Passa,
hoje, mais um aniversário de Agostinho Pimenta, aliás, de Frei Agostinho da
Cruz, um dos vultos maiores da nossa Cultura, nascido em Ponte da Barca, a 3 de
maio de 1540. Já lá vão 484 anos…
Aguarela de João Salvador Martins. |
Quando o batizam, dão-lhe um nome premonitório:
Agostinho é o seu nome, porque está chamado a ser augustus, consagrado,
venerável.
A família é letrada e Diogo, o irmão mais velho, é um exemplo e uma inspiração. De tal modo
que, por volta dos 15 anos, já o encontramos em Lisboa, ao serviço do Infante D. Duarte,
mecenas das Letras, sobrinho de D. João III e primo de D. Sebastião.
Aguarda-o o convívio nos círculos
mais cultos e influentes do Reino. Ao serviço do Infante, cresce e amadurece e
lança voos na arte poética, ao mesmo tempo que a todos encanta com o seu fino
trato e alegre companhia.
Neste meio de eleição, Agostinho
contacta com fidalgos da Casa de Aveiro, o Duque D. Álvaro de Lencastre e o seu
filho, D. Jorge. Deste convívio resulta um especial afeto que perdurará no
tempo...
Até que, na verdura da juventude,
surpreende tudo e todos com a decisão radical de vestir o hábito de religioso.
Santa Cruz de Sintra: W.Rebel - Obra do próprio, CC BY-SA 3.0 cz, https://commons.wikimedia.org. |
Ao celebrar 20 anos de idade, inicia o noviciado
em Santa Cruz de Sintra. Um ano depois, precisamente
a 3 de maio de 1561, Dia da Santa Cruz, toma o hábito da rigorosa Ordem dos
Capuchos Arrábidos, com o nome conventual de Frei Agostinho da Cruz.
Nas próximas quatro décadas e meia, o
Convento na serra de Sintra será a sua nova morada… Numa austeridade absoluta,
em ascese permanente.
Mudado o nome e a vida, todo ele se
dá ao canto da beleza da criação e à contemplação e ao louvor da Cruz.
Já estamos em 1605!
Convento dos Capuchos da Arrábida: Igiul - Obra do próprio,
CC BY 3.0, https://commons.wikimedia.org.
O sonho da vida de eremita
Ao longo do tempo, Frei Agostinho
nunca aceita Guardianias, apesar de ter sido eleito para elas. Mas, ao fim de
45 anos de hábito religioso, em 1605 assume a do Convento de S. José de
Ribamar, em Algés.
Tem, agora, um novo desafio, ainda
que por pouco tempo. Porque, nesse mesmo ano de 1605, consegue, finalmente, a
tão desejada autorização para uma vida eremítica, na Arrábida.
Conta 65 anos e é no isolamento da
serra que vai passar os restantes 14 da sua vida. Em completo isolamento.
O frade arrábido está, finalmente,
onde sempre desejou estar, contemplando os largos horizontes da Arrábida, donde
se vê mais perto o céu:
“(…)
Verás no mar Oceano alevantados
Os
golfinhos dar saltos para o Céu,
Da
formosura dele convidados.
(…) Verás dos baixos vales saudosos
Alevantar, cantando, os passarinhos,
Do Céu mais que da Serra cobiçosos.
Verás
dos verdes bosques mais vizinhos,
Donde
foram nascidos, sair fora
E
vir a visitar-me os meus bichinhos.”
Segundo os biógrafos setecentistas,
consegue na Arrábida uma tal sintonia com a Natureza, que os animais selvagens
vinham comer-lhe à mão.
No tempo que lhe resta das suas
obrigações e orações, compõe versos e faz bordões, que oferece aos frades e aos
Duques e Duquesas, que o visitam.
Foi visto muitas vezes a derramar
lágrimas de espiritual consolação, fora de si, numa enchente de graça com que o
Senhor lhe inundava o espírito.
Painel de azulejos no Convento da Arrábida (https://commons.wikimedia.org/).
Legado continua vivo
Até que, em março de 1619, uma aguda
febre leva-o à enfermaria que os Capuchos Arrábidos tinham em Setúbal. Acabaria
por falecer na noite do dia 14.
Sepultado junto à sacristia da
Igreja da Arrábida, o seu funeral reúne uma
multidão incontável, com algumas das principais personalidades de então.
Conta-se que, durante muito tempo, o seu túmulo foi um local de
romagem.
Passados 405 anos, o legado de Frei
Agostinho da Cruz continua vivo: uma obra poética que reflete uma profunda
inquietação existencial e uma forte inspiração religiosa e bucólica.
A Natureza, a Serra e o mar ao fundo,
são o paraíso perdido, o reino da paz, a morada da plenitude:
“Quieto,
vive só, livre e contente,
Com
plantas e com feras conversando,
Não
conversando amigo, nem parente.
Assim, noites e dias vão passando,
Tendo posta no Céu sua esperança,
E da terra a si mesmo desterrando.
Enfim,
que não repousa nem descansa,
Senão
no Sumo Bem que só deseja,
Enlevado
na bem-aventurança.”
Neste tempo que vai descobrindo os
desafios da sustentabilidade e a urgência da mitigação da pegada ecológica, o
canto sublime da comunhão do Homem com a Natureza constitui, de facto, um
desafio incontornável. Um convite intemporal à fruição…
Passados 405 anos, o legado humanista de Frei Agostinho da Cruz, como homem e como poeta, mantém-se vivo e inspirador.
Ponte da Barca e o(s) Poeta(s)
Até
há pouco mais de 100 anos, o nome de Frei Agostinho da Cruz esteve associado ao
espaço central da vila de Ponte da Barca. O largo em frente ao Hospital da
Misericórdia chamava-se Campo de Frei
Agostinho da Cruz.
Mas, a 12 de janeiro de 1911, a
Comissão Municipal deliberou que fosse “dado
o nome de ‘Praça da República’ ao Campo de Frei Agostinho da Cruz, desta vila”.
E, assim, o nosso poeta-místico foi arredado da toponímia da sua terra-natal.
Só há pouco tempo é que passou a ter uma Praceta com o seu nome, em frente à
Escola Básica Diogo Bernardes…
Praceta Frei Agostinho da Cruz, em Ponte da Barca. |
Em 1940, Ponte da Barca celebrou o 4.º centenário do
seu nascimento, com os dois irmãos a inspirarem a designação de “Jardim dos
Poetas”, onde foi construído um monumento evocativo. Foram ainda os patronos do
Centro Cultural Frei Agostinho da Cruz e Diogo Bernardes, fundado em 1983.
Prof. Luís Arezes (PB)
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