Sete anos de pastor Jacob servia
Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela:
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la:
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava a Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,
Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: “Mais servira, senão fora
Para tão longo amor tão curta a vida”.
Luís de Camões, Lírica Completa II, prefácio e notas de Maria de Lurdes Saraiva,
Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1980, p. 168.
Partindo
do episódio bíblico apresentado no capítulo 29 do livro Génesis, que tem Jacob como protagonista, este soneto acaba por
esquecer elementos menos comovedores da fonte de inspiração e, com grande
sensibilidade, valoriza um sentido original, ao centrar-se na exaltação da
constância do amor e da fidelidade a toda a prova.
Jacob
representa, de facto, uma personagem que ultrapassa todas as barreiras, a fim
de merecer a pessoa que ama. Durante sete anos, “o triste pastor” serve Labão,
na esperança de merecer Raquel como prémio desse trabalho, mas a sua esperança é
enganada, pois o pai dá-lhe outra filha, chamada Lia.
![]() |
Raffaello Sanzio, “Encontro de Raquel com Jacob” (1518-19) |
Jacob
não desiste e começa – ou recomeça – a servir Labão durante mais sete anos. As
palavras finais do poema, pronunciadas emotivamente em estilo direto, manifestam,
de uma forma magistral, o seu ânimo firme e decidido, o seu amor sólido e imutável:
“[…]
Mais servira, senão fora
Para
tão longo amor tão curta a vida”.
Num
estilo simples e numa linguagem direta, o soneto afirma-se como uma autêntica
narrativa da alma do povo. Citando Agostinho de Campos, dir-se-ia que “o moço
minhoto, aldeão e analfabeto, que tenha pensado em emigrar para longe, com a
esperança de voltar ao fim de anos e casar-se com a rapariga que ama, filha do
lavrador mais rico da terrinha, chorará com certeza, se ouvir ler esses versos,
porque os pode compreender e sentir de ponta a ponta”.
Esta
simplicidade e fluidez narrativa terão, certamente, justificado a vasta receção
que o poema teve, não só em Portugal, mas, sobretudo, em Espanha, a ponto de
ser considerado um dos textos líricos mais célebres e imitados de Camões.
Carolina
Michaëlis “estudou em especial as imitações que o poema originou em Espanha e,
segundo afirma, o soneto, ainda antes da sua publicação na primeira impressão das Rimas, em 1595, foi espalhado em numerosos apógrafos pelos reinos de Espanha,
tendo sido citado, traduzido e imitado por diversos autores”.
Teófilo
Braga sustenta mesmo que “Sete anos de pastor Jacob servia” foi parafraseado
pelo próprio Filipe II de Castela…
Sugerimos
a audição do poema cantado por Amália Rodrigues. Faz parte do seu derradeiro
álbum de originais, Obsessão, de 1990.
Fonte:
Xosé Manuel Dasilva Fernández, “O soneto camoniano ‘Sete anos de pastor Jacob
servia’ à luz do cânone editorial de Leodegário A. de Azevedo Filho”, em “O Marrare” – Revista da Pós-Graduação em
Literatura Portuguesa. Disponível em http://www.omarrare.uerj.br/numero15/xosemanuel.html,
acedido em 23/05/2025.
Sem comentários:
Enviar um comentário