As lágrimas de Inês
(…)
Passada esta tão próspera vitória,
Tornado
Afonso à Lusitana Terra,
A
se lograr da paz com tanta glória
Quanta
soube ganhar na dura guerra,
O
caso triste e dino da memória,
Que
do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu
da mísera e mesquinha
Que
despois de ser morta foi Rainha.
(…)
Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De
teus anos colhendo doce fruto,
Naquele
engano da alma, ledo e cego,
Que
a Fortuna não deixa durar muito,
Nos
saudosos campos do Mondego,
De
teus fermosos olhos nunca enxuto,
Aos
montes ensinando e às ervinhas
O
nome que no peito escrito tinhas.
(…)
Vendo estas namoradas estranhezas,
O
velho pai sesudo, que respeita
O
murmurar do povo e a fantasia
Do
filho, que casar-se não queria,
Tirar
Inês ao mundo determina,
Por
lhe tirar o filho que tem preso,
Crendo
co sangue só da morte indina
Matar
do firme amor o fogo aceso.
Luís de Camões, Os Lusíadas, III, 118, 120, 122-123
A
história do amor de Inês e Pedro é, sem dúvida, uma das mais comoventes e
conhecidas da literatura portuguesa, inspirando o longo e belo episódio de Inês
de Castro, no canto III d’”Os Lusíadas”.
Dois
jovens, que se amam profunda e incondicionalmente, são vítimas de questões
políticas, caindo numa tragédia em que o ódio, a vingança e a morte destroem a sua
felicidade.
Face
às recomendações dos conselheiros e à pressão do povo, D. Afonso IV, temendo
que a relação de Inês com o príncipe D. Pedro, herdeiro do trono, pudesse acarretar
perigo para o reino, resolve cortar o mal pela raiz: a bela fidalga galega é condenada
à morte!
Quando
Inês toma conhecimento desta decisão, vai ter com o rei, rodeada dos filhos, e suplica
clemência, por se considerar inocente. Em desespero, implora ao monarca que
comute a pena por um degredo.
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Tragédia
de Inês de Castro, de Bordalo Pinheiro (1857-1929), Museu Militar de Lisboa. |
Preocupa-a,
acima de tudo, os filhos, “que tão queridos tinha e tão mimosos, / cuja
orfandade como mãe temia” (III, 125), e, então, pede a D. Afonso IV: “A estas
crianças tem respeito” (III, 127).
Tudo
em vão! A execução de Inês de Castro aconteceu a 7 de janeiro de 1355, em
Coimbra.
Anos
depois, D. Pedro, já rei de Portugal, declarou que havia casado
clandestinamente com Inês, uns tempos antes da sua morte. E foi mais longe… Promoveu
o trasladação do seu corpo do mosteiro de Santa Clara de Coimbra para o mosteiro
de Alcobaça. E, na estátua do túmulo de Inês, impôs-lhe a coroa.
Quando
faleceu, foi sepultado junto da sua amada, a “mísera e mesquinha / Que despois
de ser morta foi Rainha”. Os seus túmulos são duas verdadeiras obras-primas da
escultura gótica em Portugal.
Neste
episódio d’”Os Lusíadas”, Camões mostra Inês como o símbolo do protesto contra
o autoritarismo do poder real e os mandamentos da Igreja, assumindo os riscos
da liberdade, qual cordeiro angélico e inocente levado ao sacrifício, numa
gesta que conduz à coroação do amor que assume a morte e, por isso, se projeta
na eternidade.
O
amor trágico de Inês e de Pedro, nomeadamente, a versão recriada por Camões, alimentou
o imaginário popular, num misto de factos, lenda e mito, transformando-se numa história
intemporal, que atraiu e inspirou, ao longo dos séculos, grande número de
poetas, escritores e outros artistas de várias nacionalidades, da música ao
bailado, da escultura à pintura e ao cinema.
Vamos
ouvir a história de Pedro e Inês na voz de Maria de Vasconcelos. A canção, da sua
autoria, chama-se “Sempre (D. Pedro e D. Inês)” e faz parte do álbum “As
canções da Maria – Especial História de Portugal”.
A Organização