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terça-feira, 29 de abril de 2025

V CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE CAMÕES

 

Uma história trágico-marítima

(…) Outro também virá, de honrada fama,

Liberal, cavaleiro, enamorado,

E consigo trará a fermosa dama

Que Amor por grão mercê lhe terá dado.

Triste ventura e negro fado os chama

Neste terreno meu, que, duro e irado,

Os deixará dum cru naufrágio vivos,

Pera verem trabalhos excessivos.

 

Verão morrer com fome os filhos caros,

Em tanto amor gerados e nacidos;

Verão os Cafres, ásperos e avaros,

Tirar à linda dama seus vestidos;

Os cristalinos membros e preclaros

À calma, ao frio, ao ar verão despidos,

Despois de ter pisada, longamente,

Cos delicados pés a areia ardente.

 

E verão mais os olhos que escaparem

De tanto mal, de tanta desventura,

Os dous amantes míseros ficarem

Na férvida e implacábil espessura.

Ali, despois que as pedras abrandarem

Com lágrimas de dor, de mágoa pura,

Abraçados, as almas soltarão

Da fermosa e misérrima prisão.

Luís de Camões, Os Lusíadas, V, 46-48.

O gigante Adamastor profetizara, ficcionalmente, numa noite aterradora de novembro de 1497, mil e uma vinganças: “Eu farei de improviso tal castigo, / Que seja mor o dano que o perigo!” (V, 43); “Naufrágios, perdições de toda a sorte, / Que o menor mal de todos seja a morte!” (V, 44).

Aproveitando o facto de a obra ser escrita mais de meio século depois, o narrador assinala alguns acontecimentos trágicos, como a morte de Bartolomeu Dias, que havia descoberto o Cabo, em 1488. Pois bem, aí morreria – qual vingança do monstro – em 1500. E o mesmo se diga de D. Francisco de Almeida, 1.º vice-rei da Índia, morto num combate contra os Cafres, ao norte do Cabo da Boa Esperança, em 1510 (cf. V, 45).

Mas o caso mais impressionante foi o da “triste ventura e negro fado” por que passaram Manuel de Sousa Sepúlveda, a esposa – a bela D. Leonor de Albuquerque – e os dois filhos de tenra idade, na sequência do naufrágio do galeão São João.

Início da História Trágico-Marítima (1735),
de Bernardo Gomes de Brito.


Aconteceu em meados de 1552 (24 de junho), um ano antes de Luís de Camões navegar pelas mesmas paragens, mas em direção a Goa.

Tendo como capitão Manuel de Sousa Sepúlveda, que servira na Índia durante 17 anos, o galeão partira de Cochim “carregado de riquezas e com quinhentas pessoas a bordo”.

Naufragou perto Cabo da Boa Esperança, mas o capitão, a família e muitos outras pessoas conseguiram escapar a bordo de dois batéis, iniciando uma longa caminhada pela costa moçambicana, em direção ao rio Tembe, onde havia Portugueses.

Sofreram “trabalhos excessivos”, obrigados a lutar contra a fome, a sede, o cansaço, os ataques de animais selvagens e dos cafres locais. E foi num desses assaltos que os Sepúlveda foram despidos e enviados para o mato.

Escreve Isabel Rio Novo que D. Leonor acabaria por ceder “à exaustão e ao desalento. Despida, com os filhos famintos, sentou-se no chão, envolveu-se nos cabelos e fez uma cova com as próprias unhas, onde se enterrou até à cintura. Os náufragos prosseguiram a caminhada; apenas um servo e algumas escravas ficaram ao lado de D. Leonor. Entretanto, Manuel de Sousa Sepúlveda, que fora à procura de frutos silvestres, encontrou um dos filhos morto, a mulher em choque diante do pequeno cadáver, o outro filho moribundo nos braços. Sem dizer palavra, o pai abençoou a criança morta e enterrou-a. Ausentou-se novamente, e, quando voltou, já D. Leonor e o outro filho tinham morrido. As escravas que assistiram ao lance e sobreviveram para narrar a tragédia contaram que o homem se sentou ao lado dos cadáveres e aí permaneceu durante algum tempo, de rosto afundado nas mãos. Depois, ele próprio enterrou a mulher e o filho. A seguir, embrenhou-se no mato e nunca mais foi visto. As escravas e o servo seguiram na direção dos restantes náufragos e conseguiram alcançá-los. Foram essas três escravas que, juntamente com oito portugueses e catorze escravos, chegaram a Moçambique a 25 de maio de 1553, onde narraram o que tinham presenciado, e dali foram à Índia”.

São estes acontecimentos trágicos dos “dois amantes míseros” que, para além de mereceram uma justa celebração n’Os Lusíadas, inspiraram a Elegíada, de Luís Pereira Brandão, o poema “Naufrágio e Lastimoso Sucesso da Perdição de Manuel de Sousa Sepúlveda”, de Jerónimo Corte-Real, e a mais célebre relação de naufrágio de todas as compiladas na História Trágico-Marítima, de Bernardo Gomes de Brito.

E também a canção “Manuel de Sousa Sepúlveda”, um tema de Fausto que faz parte do seu álbum de 1994, Crónicas da Terra Ardente.

Vamos ouvir

Fonte: Isabel Rio Novo, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte – Biografia de Luís Vaz de Camões, Lisboa, Contraponto, 2024, pp. 289-291.

A Organização

domingo, 27 de abril de 2025

FERNÃO DE MAGALHÃES

 504

Fernão de Magalhães morreu no dia 27 de abril de 1521, em Mactan, Ilhas de São Lázaro, atuais Filipinas.

O navegador, em cujas veias corre sangue barquense, ignorou os apelos de Humabon e mobilizou um contingente de apenas uns 60 homens, desvalorizando as forças de Lapu-Lapu, que se calculou serem em número superior a mil e quinhentos.

Recusou ainda o auxílio das forças aliadas de Humabon e escolheu um local inadequado para o desembarque, perdendo-se, assim, a proteção da retaguarda, com o poder de fogo da armada.

Demasiados erros fatais!

Foi no dia 27 de abril de 1521.

Foi há 504 anos!

Veja aqui a vida, a obra e o legado de Magalhães…

Biblioteca Escolar

sexta-feira, 25 de abril de 2025

25 DE ABRIL

“Esta é a madrugada que eu esperava,
O dia inicial inteiro e limpo,
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo.”
            
Sophia de M. Breyner Andresen, 1974

terça-feira, 22 de abril de 2025

V CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE CAMÕES

Os medos do Gigante Adamastor…

(…) Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,

Que pareceu sair do mar profundo.  

Arrepiam-se as carnes e o cabelo,

A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!

 

E disse: – «Ó gente ousada, mais que quantas

No mundo cometeram grandes cousas,

Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,

E por trabalhos vãos nunca repousas,

Pois os vedados términos quebrantas

E navegar meus longos mares ousas,

Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,

Nunca arados d'estranho ou próprio lenho:

 

(…) Ouve os danos de mi que apercebidos

Estão a teu sobejo atrevimento,

Por todo o largo mar e pola terra

Que inda hás de sojugar com dura guerra.

 

(…) Aqui espero tomar, se não me engano,

De quem me descobriu suma vingança;

E não se acabará só nisto o dano

De vossa pertinace confiança:

Antes, em vossas naus vereis, cada ano,

Se é verdade o que meu juízo alcança,

Naufrágios, perdições de toda sorte,

Que o menor mal de todos seja a morte!»

Luís de Camões, Os Lusíadas, V, 40-42; 44.

Ao longo do canto V d’Os Lusíadas, Vasco da Gama, em Melinde, conta – ou melhor, canta – ao rei local como foi a viagem, desde  Belém, no Restelo, de onde a armada partira, a 8 de julho de 1497.

Entre as ocorrências dignas de registo, sobressai o famoso episódio do Gigante Adamastor, que ocupa as estâncias 37-60.

Segundo o narrador, este monstro aterrador “de disforme e grandíssima estatura”, que dizia que aqueles mares lhe pertenciam e que quem se atrevesse a entrar neles seria destruído, apareceu-lhes junto ao Cabo das Tormentas, depois chamado Cabo da Boa Esperança.

João de Barros e Fernão Lopes de Castanheda dizem que a armada passou o Cabo a 20 de novembro, uma quarta-feira, “ao meio-dia, (…) com vento à popa”, surgindo, então, a aparição do Adamastor, notável criação camoniana que simboliza o terror do mundo desconhecido.

Face à coragem, à valentia, ao “sobejo atrevimento” dos Portugueses, o monstro anuncia-lhes “suma vingança”:

“(…) em vossas naus vereis, cada ano,

Se é verdade o que meu juízo alcança,

Naufrágios, perdições de toda sorte,

Que o menor mal de todos seja a morte!”

É a profecia ameaçadora da nossa futura História Trágico-Marítima…


Adamastor no Miradouro de Santa Catarina, em Lisboa.

Adamastor tem, no entanto, uma vulnerabilidade… Vasco da Gama põe-se de pé e pergunta-lhe: “Quem és tu?”. Chocado, o monstro, “dando um espantoso e grande brado”, conta, então, a sua triste história de amor e traição com uma deusa: Júpiter havia-o transformado num penhasco enorme – o “remoto Cabo” – por amar Thétis!

Interessante é ainda facto de este episódio ter ressonâncias autobiográficas e remeter para os tempos da juventude de Camões, quando esteve desterrado em Ceuta, onde perdeu o olho direito.

Segundo vários autores, através do Adamastor, o Poeta dá-nos “informações de que pertenceu à armada do estreito de Gibraltar”. Quando o monstro confidencia ao Gama “[ter sido] capitão do mar, por onde andava / A armada de Neptuno, que eu buscava” (V, 51), está “a dizer-lhe que servira na armada do estreito de Gibraltar, aquela que permanentemente vigiava ou buscava a dita armada de Neptuno, nome por que era conhecida a esquadra turca”.

“Na realidade – conclui Isabel Rio Novo, a quem estamos a citar –, os biógrafos e comentadores antigos põem Camões a servir nessa armada, estacionando em terra, nos intervalos das missões”.

Seja como for, para a posteridade fica o Adamastor, representante dos medos, mas, também, símbolo da capacidade para ultrapassar obstáculos, enaltecendo o herói.

Já no século XX, Fernando Pessoa, na obra Mensagem, recria a figura sob a forma do Mostrengo. E o Adamastor continua a inspirar artistas como, por exemplo, A Garota Não e Peculiar.

“Medo, que me corres no corpo, / Que me matas os sonhos, / Que me tentas calar”… Vamos ouvir a canção “Adamastor”: letra e música de João Nicolau Quintela, com interpretação de Peculiar.

Fonte: Isabel Rio Novo, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte – Biografia de Luís Vaz de Camões, Lisboa, Contraponto, 2024, p. 182.

A Organização

quinta-feira, 3 de abril de 2025

CLUBE DE LEITURA

Os Três Desejos e o segredo da Sabedoria

O esforço pessoal, o trabalho e a Sabedoria foram valores que estiveram no centro de uma animada conversa, no âmbito de uma sessão do Clube de Leitura, que reuniu alunos dos 3.º e 4.º anos da EB Diogo Bernardes.

Sob a orientação da Biblioteca Escolar, a sessão teve como ponto de partida Os três desejos, de Júlio Borges, com ilustração de Nuno Alexandre Vieira, com os participantes a partilharem a sua leitura do livro e a sublinharem a importância do bom senso, do trabalho persistente, da sabedoria para conseguir fazer escolhas acertadas.

A sorte não cai do céu, é preciso trabalhar com persistência, em vez de passar o tempo a lamentar-se e a invejar a vida do vizinho, concluíram os participantes, parafraseando as duas quadras finais da estória:

“A sorte está à espreita,

Apenas temos que a procurar,

Porque nada cai do céu oferecido:

Para receber há que trabalhar.

        Foi preciso um chouriço

        Na nossa vida aparecer,

        Para ganharmos juízo,

        E nesta querer vencer.”

A conversa acabou por convocar diversas intertextualidades, com referências à figura bíblica do rei Salomão, que, podendo fazer um pedido a Deus, implorou Sabedoria, e também à estória mitológica de Dédalo e de Ícaro, que, por insensatez, acabaram por morrer afogados, deitando por terra os seus objetivos.

Biblioteca Escolar

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Sarau de Poesia celebra a Palavra 

e evoca Camões

Foi num ambiente de grande envolvimento e compromisso que decorreu o Sarau Poético do Agrupamento de Escolas, uma iniciativa que assinalou o Dia Mundial da Poesia, o Dia Mundial da Árvore e ainda o V centenário do nascimento de Luís de Camões.

A sessão aconteceu no Auditório Municipal, que se revelou pequeno, tal a afluência de alunos, encarregados de educação e familiares em geral, e também de professores e de outros membros da comunidade educativa.

Promovido pela Biblioteca Escolar, em articulação com os Pelouros da Educação e Cultura da Câmara Municipal, o Sarau exaltou a Palavra feita Poesia, bem dita e bem cantada, num exercício de Cidadania que celebrou a Vida e ofereceu aos participantes a oportunidade de partilhar emoções e de aprofundar a reflexão sobre os valores humanistas.

Ao longo de mais de uma hora, uma menina da Educação Pré-escolar e alunos do 1.º Ciclo ao 12.º ano de várias escolas do Agrupamento e ainda familiares e professores fizeram questão de dar voz à Palavra feita Música e Poesia, exaltando a criatividade e a inspiração poética.

Verdadeira Festa da Palavra, o Sarau proporcionou ainda momentos de conjugação perfeita da Poesia e da Música, com alunos da Academia de Música de Ponte da Barca a abrirem (saxofone) e a encerrarem (trompete) o Sarau e a acompanharam alguns momentos de leitura, com fundo instrumental de piano ou violino.

A música esteve também presente na evocação do V centenário do nascimento de Camões (1524-1580), com um grupo de alunos do 6.º ano, sob a orientação dos Professores Daniela Pereira e Paulo Franco (Educação Musical) a interpretaram dois temas alusivos: “Verdes são os campos”, poema musicado por José Afonso, e “Luís Vaz de Camões”, de João Pereira. Outro grupo de alunas dos 11.º e 12.º anos, acompanhado à guitarra pelo professor Osvaldo Martins (EMRC), cantou, por sua vez, “Endechas a Bárbara escrava”.

Nas suas mensagens, tanto o Dr. Carlos Louro, diretor do Agrupamento, como o Dr. Augusto Marinho, presidente da Câmara Municipal, felicitaram os participantes na iniciativa, assim como os seus organizadores, enaltecendo a interação da Escola com a Comunidade e a celebração do poder da Palavra.

Biblioteca Escolar